domingo, 21 de setembro de 2008

BAD TRIP - de Andreia Donadon

Dora não sabia ao certo onde e com quem estava. Não sabia se estava retornando de um sono profundo, em que os anjos a tinham resgatado das profundezas do inferno. Sabia que os pesadelos tinham tomado vida. Começou a ter fortes alucinações áudio-visuais, ansiedade, depressão, reações paranóicas, incoordenação motora e desconforto físico. Com os olhos esbugalhados querendo soltar das órbitas, via as coisas se movendo de uma forma estranha e inusitada: móveis, roupas, janelas, malas, ratos, baratas, pneus... Uma voz de um homem ao longe, caçoava de sua não lucidez. Ria e corria à sua volta, beliscava-a, mordi-a, socava-a, possuía-a violentamente. Dora se movia engatinhando como uma criança no quarto minúsculo de algum lugar que também desconhecia. Queria ter forças para combater o delírio. Queria... A cabeça não se firmava mais. Não conseguia controlar os palavrões que saíam de sua boca. Não conseguia controlar as infâmias que vomitava. A roupa de seu corpo voava pelo quarto, atirada por suas mãos pequenas e vermelhas. Tremia. O inconsciente veio à tona e soltou todas as informações desconectadas. Tinha morrido? Como se estava ali, naquele lugar infernal, ermo, imundo, sem segurança e com um homem que mal conhecia? Olhou-o firmemente por três segundos, os olhos não conseguiam firmar por muito tempo. Em vão. Suas forças consumidas e a razão descompensada. Estava indefesa. Os gritos por socorro que soltava pela boca, eram silenciados por aquele homem de olhos vermelhos, riso amarelo e boca que engolia a sua. Seus lábios grandes silenciavam todos os gritos e sussurros. Dora desistiu e começou a sorrir eufórica, depois aumentou o riso para algo ensurdecedor em gargalhadas que tremiam seu corpo. Depois teve sensações desagradáveis como tremores nas pernas, sudorese, síndrome de morte iminente e a perda do controle mental. Era um bad trip, uma má viagem para um mundo de vastas emoções e pensamentos imperfeitos. Seu corpo foi carregado para o banheiro por braços e mãos grandes. A água com espuma escorria pelo ralo. Ora muito quente, ora muito fria. O banheiro era minúsculo, repleto de um cheiro defecável e imundo. Respirava com dificuldade, ao mesmo tempo passava as mãos pelo corpo nu com sabonete e molhava os cabelos longos. Parava para olhar a água com espuma descer até o ralo. Recitava fragmentos de melodias populares e versos inúmeras vezes. Falava frases absurdas e inteligíveis. Tudo desconexo. Seu algoz olhava-a contente, feliz com sua letargia. Ria descaradamente de seu estado catatônico e indefeso. Uma menina ingênua, de traços gregos, de cabelos compridos, pele branca, rosto redondo, corpo redondo e olhos sem vida. Ele estava lá, com os braços cruzados assistindo o espetáculo delirante da pequena. Dora não viu mais nada. Não sentiu mais frio, sudorese, calafrios, convulsões...
De manhã, o dia acordava lá fora. Não timidamente. O sol penetrava a cortina com fúria, cegando os olhos que se abriam. A boca estava muito seca, o rosto desbotado, o corpo tonto e sem marcas dos beliscões e mordidas. O homem não estava ali. O quarto respirava um ar levemente perfumado. Os lençóis limpos, mas revoltos. O banheiro estava molhado. Tudo não passou de um pesadelo? Olhou o rosto no espelho. Foi um pesadelo, pensou aliviada! Estava num hotel. Vestiu a roupa, penteou os cabelos; passou batom nos lábios. Disfarçou as olheiras. Dirigiu-se para a sala de café. Serviu-se de uma xícara bem forte, meio pão francês com manteiga e um prato de salada de frutas. Sentou-se com elegância. Levantou vagarosamente a xícara até os lábios tremendo um pouco. A porta da sala abriu . O homem de olhos vermelhos e riso amarelo entrou e perguntou-a sem rodeios:
- E aí, minha chegada, hoje vai de coca ou de cannabis?



Andreia Donadon Leal - Déia Leal
Diretora do Jornal Aldrava Cultural
Governadora do InBrasCI-MG
Membro da Academia Letras Rio-CM e da AVSPE

http://www.jornalaldrava.com.br/pag_deia_leal_plan.htm


(31) 8431-4648

2 comentários:

Anônimo disse...

Gostei muito do conto! Parabéns, moça.

beijos
Carlos

Anônimo disse...

que texto mais ousado.
parabéns andreia
Pedro