quarta-feira, 10 de setembro de 2008

MEU VASO DE FLORES de Andréia Donadon Leal

Antes de qualquer coisa gostaria de estimar melhoras e boa saúde à escritora e artista plástica Andréia Donadon Leal



Caro mestre Urariano Mota.



Como vai? Demorou um pouco a leitura do texto narrado em Histórias para adolescentes pobres. Com muita satisfação li o magnífico relato. E como gostei de sua forma de ensinar Português para adolescentes de bairros populares. Ou como o senhor disse: "diria melhor, de tentar ensinar o muito pouco que sei". Hoje neste vasto mundo de produção avalanche, os adolescentes e crianças estão ávidos em despejar, despejar , escrever, escrever e escrever ou não... Quando a iniciativa ou interesse parte deles, genial! O que me enfada são os pais que empurram os filhos que não querem de forma alguma fazer o que os "gestadores" almejam antes mesmo da cria nascer.

Os alunos estão sedentos e mais vividos que os educadores, apesar da idade. E as histórias contadas por eles; uma boa, verdadeira e de preferência acontecida com o próprio professor. Alguns procuram exemplos na vida do mestre. Confiam, admiram, outros até desprezam ou xingam quando o ralho vem na hora certa. No íntimo sabem da importância desse personagem ímpar e memorável.

Sei até hoje, já não sei amanhã quando o tempo carcomer alguns neurônios e apagar um pedaço da memória, o nome da minha primeira maestrina: Maria José. Uma professora rígida, de cara fechada, diria hoje sisuda. Sofrida acho. Ou talvez triste. Solteira e de uma disciplina e conteúdo impecáveis. O sorriso que desenhava a boca era um pequeno risco. Nunca fui de conversar com ela, talvez pela timidez aguçada na época do primário e respeito pelo mestre. Abaixava a cabeça quando vinha à professora do outro lado da calçada ou pela excessiva timidez, atravessava à rua. Evitava a professora que tanto admirava intimamente, no fundo da alma. Mas a professora era rígida e tinha medo de conversar fora de hora, tirar nota abaixo da média. Lembro que no aniversário dela muitos alunos levaram presentes; muitas flores, caixas de bombons, lenços perfumados e outros mimos comprados pelos pais. Eu, filha de pai muito pobre e trabalhador; não consegui comprar o vaso de flores da floricultura. Não tinha sobrado dinheiro para o presente da professora, disse meu pai. Final do mês, mal dava para comprar o leite dos cinco.

Dividia o sono com a irmã mais velha na cama. A casa pequena, três cômodos e os moleques que se acomodassem no lar, como dizia minha mãe. Isto o que podemos, mais pra frente à vida melhorará. No quarto peguei uma folha, a mais branca possível e desenhei o meu vaso de flores, aquele que vi na floricultura e gostaria de presentear a professora. Fiz alguns esboços, joguei algumas folhas fora e enfim terminei para mim na época, meu melhor desenho com a seguinte frase: “Tia Maria, hoje não tenho o vaso de flores para dar-lhe de presente, mas no papel desenho o presente que meu pai não pôde comprar”.

E isto não é nada, caro professor. A professora pegou o papel e olhou para mim com o semblante sisudo e me deu um abraço apertado. Apertado que chegou a doer meus ossos. Mas não disse uma palavra. E isto nos meus 7 anos de idade. E isto não é nada ainda, caro professor! Ah, se eu pudesse prever o futuro e conseguir expressar a emoção que esta mulher me deu! Diria que hoje são poucas coisas que me surpreendem na vida, e esta me arremessou praticamente na perplexidade, doce! Nos meus 34 anos de idade, retornei à cidade onde estudei e passei alguns bons anos de minha vida. Fui convidada pela Casa de Cultura para abrir a III Semana da Cultura na cidade com minha exposição “Mostra Portais de Minas”, no salão nobre da Câmara. Um dos lugares mais importantes da cidadezinha. O tempo passa, professor! Passa e dá nó na garganta da gente! Na inauguração, com festas e pompas, chega uma mulher na porta com bengala e papel na mão. Custei a conhecê-la, não por esquecimento, mas por incredulidade. Incredulidade! No limiar da porta, caro mestre, a professora atravessou o grande salão e me entregou o papel amarelado e disse: este meu vaso de flores para você hoje!



Andreia Donadon Leal - Déia Leal
Diretora do Jornal Aldrava Cultural
Governadora do InBrasCI-MG
Membro da Academia Letras Rio-CM e da AVSPE

http://www.jornalaldrava.com.br/pag_deia_leal_plan.htm

4 comentários:

Anônimo disse...

Parabéns pela belíssima crônica.

Carlos

Anônimo disse...

Obrigada, professor Carlos Vilarinho, pelo ensejo de saúde e pela publicação da crônica "Meu Vaso de Flores". Em nosso caminho surge intempéries e sofrimento, mas são efêmeros. Como a brisa que refresca o rosto do calor. Como a brevidade e leveza do dente de leão. Como a vida que num sopro divino caminha para além da montanha. Nosso caminho é além da montanha, sem limites e arestas que cercarão nossos passos.

Meu abraço fraternal,
andreia donadon leal

Anônimo disse...

excelente homenagem ao dia dos professores.

beiju

Larissa

Anônimo disse...

Oi, Andréia!Adorei o teu "Vaso de flores", plantado no jardim do Vilarinho.Até parece que eu era fazia parte da história da Cristiane e do Gervásio, tamanha a minha identificação com o texto.Déia, criei o blog "Poesia para o mundo", espaço onde todos podem se inscrever, comentar e postar suas poesias.Conto com sua colaboração na divulgação deste espaço, indicando aos amigos e conhecidos ou até, se possível, colando o link em teu blog ou site.Obrigado pela atenção.Um abraço

Remisson Aniceto