segunda-feira, 7 de julho de 2008

VIA MARIA- de Edinara Leão

Maria sacolejava os ecos da vida quando a mão de um animal cravou-lhe a agonia de um sonho. Maria passou a ver a alma – dos outros e a sua. A sua, particularmente a interessava, era branca. Ela era anda-luz virgem, virgem de alma. Inabitada. Seu corpo já havia sido abanado pelas mãos dos homens. Os homens – pobres-coitados!, Mentem amar e a vida corre-lhes pelas mãos. Maria não! Entregava-se inteira (inteiro corpo). A alma não. Tinha dó. Dó de entregar a alma, parece ninguém merecia.

O animal enxertou-lhe um sonho de homem na alma, e Maria sem corpo ansiava. Homem sem nome do sonho do animal de unhas lancinantes. Algoz, ele deu alma, “animus” e construiu-lhe um corpo alma. Confundiu Maria que seria o corpo e o sonho fez Maria ceder, sem saber que ele era alma.

A composição se refazia: o homem atava panos brancos em volta do corpo de Maria – e desatava os pés. Então o corpo virava leite e o homem bebia. Novamente bebia. Bebia todos os dias. E assim roubou-lhe a alma travestida de corpo.

Era impossível disputar. Já não havia solidão, já não havia alma. E Maria também não havia. Maria sentia saudade de ser Maria. Resolveu tecer nova vida. Contudo, os fios eram de ilusão, quanto mais Maria tecia, mais desfiava. Nada acontecia. E Maria passou a outra dimensão. Mente sem alma. Só esqueceram de apagar o coração de Maria, que ainda tinha ganas de amar, só já não podia a alma entregar. E, na outra dimensão que passava a habitar não havia corpo. Só imagens. Ideoplásticos do nada. Fragmentos perdidos em estágio de sonho. Não havia mais nem corpo nem lençol, nem leite, nem nada. Nem Maria. Que agora havia atingido o estágio de sopro. Surrealismo talvez. Maria inventou...

EDINARA LEÃO é escritora do Rio Grande do Sul. Mestra em Literatura e dona de uma sensibilidade onírica e transcendental.
Mais uma grande escritora da literatura contemporânea.
Escreveu Minhas faces (1990), (a)mostragem (2000) Fragmentos e Quando sopram os trigais (2005) e Estética e transcendência em O estudante empírico, de Cecília Meireles (2007). Nasceu em 30 de outubro de 1968. Escreve desde os 12 anos, participa de mais de oitenta coletâneas. Possui doze troféus literários. Foi “Escritora do ano” três vezes em São Luiz Gonzaga. Mestra pela UPF e doutoranda em Estudos Literários pela UFSM. Reside em Santa Maria. É mãe de Mirela, Pablo, Pâmela e Pedro. Vó de Bernardo. Recebeu o 2º lugar no concurso “Com a palavra, os professores do Brasil” em 2008, no Rio de Janeiro. Idealizou e coordena o Movimento virArte.
e-mail: edinaraleao@yahoo.com.br

blog: http://edinaraleao.blogspot.com/

site: http://br.geocities.com/ruidosdegarca/

3 comentários:

Anônimo disse...

"roubar alma travestida de corpo..."
Maravilha!!!

Carlos Vilarinho disse...

Altamente poético, com rimas. Muito bom, Edinara!

Anônimo disse...

Parabéns, Edinara Leão pelo texto onírico e repleto de poesia! Quanto mais Maria tecia, mais desfiava... Maria inventou! Magnífica o jorro poético! Meu abraço fraterno! Andreia Donadon Leal - Déia Leal www.jornalaldrava.com.br