quinta-feira, 10 de julho de 2008

TUDO É IRREAL - de Carlos Vilarinho

Também acho que não há coincidência na vida. Quem disse que o fato de me esbarrar naquele homem na rua foi simultaneidade de acontecimentos? Longe disso. As coisas são sincrônicas. Sincronicidade. Aí sim. O meu cabelo tava todo desgrenhado, ele sempre foi assim mesmo. Por que haveria de arrumar meu cabelo só para me esbarrar, barriga a barriga, com aquele homem? E o salto? Não, não estava de salto alto. Uma vez um sedutor e deleitoso poeta disse que se eu andasse de sandálias ficaria muito mais sensual. Acreditei nele demais. Quase me come. Minha mãe de santo alertou para mim a verdadeira intenção daquelas metáforas poéticas que me deixavam embevecidas. Nunca mais olhei na cara do porco poeta. Quando saí do feitiço lexical, metafórico e semântico que ele me enredou, percebi a enorme barriga que puxava o corpanzil do letrado. No entanto acho que tinha razão na questão das sandálias. Pelo menos diminuíram as dores no ciático. Me senti mais próxima do chão também. O fato foi que aquele homem me derrubou na esquina do Comércio com a ladeira das putas. Ficou me olhando, certamente procurando algo de puta em mim. Naquele atmo de segundo sincrônico que fiquei no chão sob o olhar amarronzado daquele homem, lembrei e me senti a garotinha de quatorze anos que García Marquez queria traçar no puteiro de Rosa Cabarcas. Ele ou alguém dentro dele. Tão sincrônico também foi a aparição de não sei onde de Rosauta. Ela vivia me seguindo. Tenho certeza que estava pelas redondezas a me espionar. Às vezes sinto vergonha de ser mulher. Por causa dessas coisas. Não sei o que Rosauta tinha com o meu encalço que sempre aparecia risonha e falante. Falante até demais. O homem sumiu, as voltas da voz de Rosauta me deixaram zonza e perdi a criatura. Mas que raiva!
_O que você quer?
_Que secura! Você estava estatelada no chão parecendo um sapoti amassado e eu venho em seu socorro e me tratas assim? Que despautério!
Enquanto Rosauta falava aprendi a me desligar do mundo. Sobretudo naquele momento mágico de uma sincronia que não sabia de onde vinha ou se realmente existia. Mais uma vez ela falou da minha roupa, do meu cabelo, das minhas unhas e até do meu cenho franzido, mais franzido do que o de costume. Tinha a impressão que Rosauta queria ser eu. Por vezes a risada sem propósito de Rosauta me dava nos nervos. Arre! Ela não poderia atravessar a rua e um carro jogá-la para cima? Eu queria ficar dentro do meu silêncio sincrônico que aquele rapaz me colocou. Estatelada no chão, sim. Jamais um sapoti, mas a princesa de um sonho inesperado. Rosauta segurava meu braço pela rua do Comércio com uma força descomunal, parecia que queria me arrancar do braço. Que inferno! E falava, gesticulava, ria sem ser discreta. Que coisa, aquela Rosauta! Lá dentro de mim ao volver a cabeça para o lado oposto via aquele homem da sincronicidade. A imagem dele estava andando e preocupada com algo nos outdoors ou nos andares sobre nossas cabeças da rua do Comércio. Tratei logo de me afastar da rua das putas, melhor, Rosauta direcionava meus passos garreada aos meus braços. Voltei novamente a cabeça e não o vi. Em instantes pensei estar louca. Louca de amor. Pensei alto e Rosauta retrucou:
_Ai, meu Deus! Mas que romântico enlouqueceu de amor por um fantasma que a derrubou...
De roldão se apoderou de mim um desejo de vomitar incrível depois daquela frase infame de Rosauta. Olhei novamente ao redor e não vi novamente. Mas meu eu sentia outros olhos em cima de mim. Olhos distantes e de bem querença. Não de atrativo sexual, mas algo enigmático e que compõe o universo em harmonia. No entanto eu sentia um desejo sexual, um frisson compreendido em minhas entranhas de mulher virgem. À proporção que Rosauta falava, mas zonza ficava e mais angustiada também. Finalmente consegui livrar-me daquela companhia desprezível, disse-lhe que tinha reunião de acertos de contas no escritório. Aí ela arrefeceu e me olhou piedosa.
_Oh, honey! What a Pitty!
Ri um riso sem querer e sem graça, olhei novamente ao redor e só vi o engraxate distraído sem clientes no outro lado da rua. Nesse instante, em meu pensamento de virgem, veio uma imagem ridícula do amor. Quem ama é ridículo em sua própria vida. Em seu próprio eu, em sua própria aldeia. Então passei a observar as pessoas do Comércio, todas as pessoas. E nenhuma delas trazia consigo o amor, por mais irrisório e insignificante que possa ser. Ao mesmo tempo um sopro do próprio universo em harmonia instalou-se em minha mente uma expressão em Línguas díspares. Acho que Rosauta contaminou com sua peruagem english a energia que me acompanha.
_Don´t give up, don´t give up… Não desista, não desista…
Como se tudo fosse uma trama já definida das vidas que compõem o mundo. Como se tudo fosse uma sincronicidade estagiária nos ciclos da vida.
Não sabia como não desistir. Quem deveria amar, então? Um homem fantasma, como disse Rosauta, que esbarrou em mim no centro da cidade? Teria sido um sonho desvirginador, daqueles que tenho no calor da noite depois que a menstruação vai embora. Aquele homem teria sido meu professor de espanhol, de voz caliente e trejeitos sensuais como o tango de Gardel. Nunca mais o vi. Na época pensei que seria o meu homem. Não foi meu, mas de todas as outras alunas dele. Raquel, Su, Eliana, Micheli, a irmã de Micheli... E até de Rosauta. Às vezes a misericórdia alheia me toma de roldão que fico a pensar depois se não sou eu a escolhida dessa vez para ser a virgem Maria. Dizem que tudo torna a acontecer. Sincronicamente. Acredito e não acredito... Seria um sonho do meu sonho?


Amanhã publico o que falta...

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