sexta-feira, 11 de julho de 2008

TUDO É IRREAL- de Carlos Vilarinho

Livre de Rosauta, subi pela rua da loteria, que ironia! Estava jogando com meu sonho. Aquele homem tinha que ser de massa corpórea, não estava louca, eu o vi e ele me viu, além de ter me derrubado numa esquina. Atravessei a Rua do Tira Chapéu e finquei estática na ladeira do Pau da Bandeira. E nada. Olhei o mar e sua vastidão enigmática e nenhum sinal. Seriam vestígios da virgindade aos vinte e oito anos. Certamente. Nunca ouvira falar que era tão grave assim, a ponto de delirium tremens. Não posso considerar o tempo inimigo de mim mesma, eu que me esgotei em meu pudor e cerimônia exagerada. Quando pequena via imagens rondando a casa. Foi quando começou o meu medo de tirar a roupa mesmo que estivesse sozinha. Para mim nunca estava sozinha, havia alguém em algum lugar perto de mim espreitando todo o meu movimento. Por isso que quando Beto quis me fazer mulher eu não deixei e saí correndo. Sabia que além de nós dois tinha outro olhar a passear no quarto. Mas agora não, fervo por dentro toda a noite. Leio revistas eróticas e consumo o desejo comigo mesma. Mas naquela esquina, aquele homem... Eram reais, tenho certeza que ele me despiu dentro do olhar dele. Aquele sorriso brando e malicioso. Mesmo não sendo meu inimigo, o tempo, ele é muito apressado comigo. Uma vez li em algum lugar “temos o direito de ser diferente sempre que a igualdade nos descaracteriza...” poderia pensar sempre assim. Mas já estou muito descaracterizada e o tempo não pára. Hoje ao sair de casa depois que minha mãe diz, sempre diz, “que Deus ilumine seus caminhos, filha minha”, hoje e somente hoje senti depois da última palavra uma energia diferente tomando meu corpo feminino. Senti que exalava um êxtase diferente de todos os dias. E em seguida me esbarrei com o homem dos meus sonhos, eu acho. E ao mesmo tempo o perdi. Acho que vou comprar um livro de um poeta místico. Para rir e chorar ao mesmo tempo. De qualquer forma ouvi dizer que tudo é irreal em sua realidade direta, digamos. Então diante desse absurdo virgem que me deixei ser, paradoxalmente ao instante em que me senti finalmente possuída, resolvi seguir a voz que havia entrado em minha mente, mesmo contaminada pelos exageros de Rosauta, seguir em frente. Assim ao tomar a decisão que anos depois mudou a minha vida, vi num estalo de luz emergente da maré toda a cena novamente. Ele havia errado o caminho em um mundo paralelo e irreal, talvez. Passou por um portal de luz e virou a esquina no mesmo momento que eu. Era o carteiro do amor no outro mundo. Ao remexer minha bolsa vi uma correspondência estranha. Um envelope de bordas douradas. Dentro havia um poema e uma foto onde sempre estive nos meus sonhos.


Ao meu amor,
uma coroa de séculos,
um pedaço do céu,
um arco-íris de frêmitos
gozosos

Ao meu amor,
o tempo sem pressa
o ser do irreal,
as paisagens que vistes
nos sonhos

Ao meu amor,

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