domingo, 4 de maio de 2008

O DEGOLADO-quarta parte

Dois dias depois do incidente na reunião de departamento, o professor Edgar refez-se como Fênix. Trancou-se em casa e não atendeu ninguém nesse período. Nem a professora Lisbela, nem o professor Rui Mauriti que também insistiu em procurá-lo. Apareceu então em sala de aula, deu o recado conforme manda a disciplina Teoria do Cosmos sem tocar no assunto do segredo do universo. Entretanto ao ministrar a aula, olhou pela janela. Viu de través um cidadão idoso de branco e preto parado na porta da faculdade e sentiu o mesmo cheiro de pipoca fresquinha que havia percebido no ônibus quando o estranho sumiu. Ficou com a imagem na cabeça, contudo um aluno o interpelou com dúvidas da aula e a cena caiu no esquecimento. Mesmo com a saraivada de estupidez e ignorância que havia levado, o segredo do universo não lhe saía da cabeça. Pensava sobre os ciclos toda a noite. Em especial os seus ciclos. Queria saber se havia uma forma de ver a sua vida de outrora, entrar em seu ciclo passado, e consertar algo que houvera feito de errado ou de inútil. Algum deslize, gafe cometida e especialmente o momento da morte, do término cíclico. Depois da descoberta, umas imagens da idade média sobrevoavam em sua mente. Quando cochilava ou até dormia, o que se tornou raro, via textos, sandálias, cascos de cavalos e chegou até a ouvir sinos e trombetas de um ambiente medieval. De uma forma ou de outra, Edgar sentia uma certeza invadindo-lhe pelas entranhas que descobriria o motivo e a ocasião do seu encerramento. Ao pensar nisso sempre vinha na mente o encontro que teve com o estranho no ônibus. Não conseguiu sequer ver o rosto do seu interlocutor direito. O indivíduo desapareceu enigmaticamente.
Nesse mesmo dia o professor Rui Mauriti e a professora Lisbela foram buscá-lo ao término da aula. Os três foram ao departamento de estudos físicos e até serem interrompidos inesperadamente, Edgar conversou e explicou com riqueza de detalhes para os dois professores a tese do segredo cósmico. Tanto Rui como Lisbela ficaram mais uma vez muito impressionados com a estranheza do mistério, propriedade original do universo, como também o encadeamento dos fatos proposto pelo professor Edgar. Um em cada etapa opinou, tanto o professor Rui e professora Lisbela, em seguida discutiam à porfia, numa obstinação de equipe escolar quando de súbito a porta abriu-se e adentraram a sala os professores Ventim e outros dois. Um era o espírita, o outro era um dos que ficaram calados na ocasião da reunião. O professor Ventim fez cara de poucos amigos, examinou de través e com hipocrisia os papeis em cima da mesa esparramados. Provavelmente certificou-se que era a tese do segredo do universo. Viu-se um riso no canto do lábio e um olhar mútuo com o professor espírita. O outro, o calado esboçou curiosidade, aliás, foi o único que cumprimentou as pessoas já presentes na sala. Notando com perspicácia o interesse do professor que se aproximava, o chefe do departamento Rui Mauriti de imediato, com a anuência do professor Edgar e da professora Lisbela, convidou-o, pois em instantes ao olhar os papeis demonstrava ávido interesse no assunto, a juntar-se a eles. Professor Lucius. Com mais um adepto curioso, a reunião transcorreu normalmente com muitas dúvidas e com aparente sucesso por vir.
Os quatro professores se dedicaram quase em tempo integral à tese do professor Edgar. Mesmo já aparecendo timidamente ainda boatos de que o professor Edgar seria o “Anticristo” em pessoa e que já estaria impingindo em outros a negação do Deus original. Soube-se por alto, não se sabe o grau de veracidade do fato, que o professor Ventim discursou em sua igreja sobre a tese do professor Edgar. Os alunos comentavam isso pelos corredores. Sabe-se também que Ventim estaria em sala de aula difamando e sabotando os esforços dos professores envolvidos com a tese do segredo do universo. Contudo o departamento de estudos físicos na figura do seu chefe, professor Rui Mauriti, criou bolsas para os alunos que tivessem boas notas poderem participar como estagiários das pesquisas sobre a tese. Evidentemente de acordo com o desejo de quem se dispusesse. Para a decepção de Ventim e dos outros professores que o acompanhavam, aqueles dois, o espírita e o outro católico, a demanda foi quatro vezes o esperado.
Um dia durante um rápido cochilo que acabou o levando para um sono profundo, algo prodigioso sucedeu, enquanto achava que sonhava com as palavras em iorubá “Lá yá tú ká, lá yá tú ká...” “Ranti, ranti, ranti...”. Parecia que havia alguém contando a história do mundo. O professor viu-se montado num unicórnio ladeado por uma nuvem de areia cósmica em formato de gente, além de duendes e um velho todo de branco. Eles voavam através dos ciclos. O professor viu Platão no exato momento que ele formulou a tese dos astros. Viu o império romano ruir. Passou entre as cruzadas. Esteve rente ao colega Galileu debruçado sobre a prancheta estudando o cosmo. E finalmente experimentou um pouco da dor de cabeça de Nietzsche que o fez acordar. Ainda tonto e com a cabeça dolorida, herança da enxaqueca de Nietzsche, Edgar pôs-se a pensar no que havia vivido. Concluiu então depois de alguns minutos pensativo que talvez o sonho seja o portal para outros ciclos. Dessa forma haveria dentro da mente uma memória que nos acompanha através dos tempos. Seria um inconsciente individual, como Freud designou. Ou um inconsciente coletivo como fora assinalado por Jung. Essas proposições tinham provavelmente um ponto comum. Isso aproximava muito da tese científica que todos nós somos formados a partir dos grãos de uma mesma estrela que por acaso explodiu no universo. Mais intrigante ainda era o fato de que naquela viagem onírica ele não estava sozinho. Aquele velho todo de branco, os duendes e aquela areia cósmica, o que e quem seriam?
QUINTA PARTE-quinta-feira(08/05)

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