quarta-feira, 30 de abril de 2008

O DEGOLADO terceira parte

Um silêncio sepulcral tomou a sala. O professor Edgar permaneceu em pé, como fizera sua explanação, e hesitante. De repente todos começaram a falar de uma só vez. A algaravia extrapolou e tornou-se pior ainda. Uma zoada ininteligível, gritos, discussões e até gargalhadas ecoaram da sala do departamento de estudos físicos. O professor Edgar continuava em pé, silencioso e lívido. Somente ele, a professora Lisbela e o chefe do departamento professor Rui Mauriti continuavam calados. Ele, o professor Edgar, mantinha-se naquele estado presumindo que seria contestado. Ou quem sabe elogiado? Não saberia, no entanto como provar as teses e foi o que de imediato pediram, logo após arrefecerem os ânimos. O professor Edgar calou-se. Como poderia provar tal absurdo discrepante sobre o segredo do universo? Esboçou uma tentativa, mas ao olhar a professora Lisbela, esta moveu de um lado para outro a cabeça e levou o dedo indicativo aos lábios. O professor aquietou-se. Cerca de dois, três, cinco minutos no máximo de silêncio eterno, vozes, ruídos e brados, também eternos, ecoaram novamente na sala do departamento. Sem dúvida seria a reunião das revelações. O professor Ventim esmurrou a mesa de reunião, esganiçou pedindo silêncio. Ao conseguir, ainda vermelho e com o pescoço estourando as veias. Abriu verborragia. Ventim era ministro da igreja católica. Tesoureiro da sua paróquia. O professor Ventim distribuía hóstia entre seus fiéis, todos os domingos, quando o padre solicitava sua assistência. Sempre fora reservado, jamais alguém vira o professor Ventim referir-se à sua vida pessoal. Entretanto aquele acontecido na manhã de seis de setembro de 2006, que já constava em ata de reunião, o aborreceu por completo. Ventim em pleno século XXI ameaçou levar o professor Edgar a forca por tamanha injúria, infâmia e labéu. Falou que o nosso senhor Jesus Cristo jamais deveria ser comparado a um balofo oriental que nunca soube o que dizia. Que Alá é invenção de terrorista para liquidar gente inocente e que o único universo que existia era o reino de Deus, (novamente) nosso senhor Jesus Cristo.
_...portanto senhor professor Edgar, exijo que o senhor se retrate perante todos nós seus colegas de profissão e católicos de religião...
De imediato ninguém se manifestou a favor do professor Edgar. Nem a propósito do professor Ventim. Talvez o professor Edgar tenha conseguido bulir com os cientistas de plantão. Cutucar os pensamentos. Colocar mais dúvidas em cabeça de quem estuda. Contudo ninguém teve a coragem que ele teve. E em tempos o que houve verdadeiramente foi que o coro entoado inicialmente pelo professor Ventim ecoou. Em seguida dois outros professores que viviam pelos cantos criticando Edgar, nunca o encaravam para uma discussão científica desta ou daquela tese que seja, saíram em alta condenação àquela apresentada. Os primeiros que cobraram de imediato provas. Não discutiram, não conversaram, nem tampouco refutaram a pretexto de, pelo menos, acirrar e persuadir o trabalho apresentado. Um se disse espírita, chegou a dizer que Allan Kardec era muito mais cientista do que iniciado religioso, como todos falam. O outro fez coro em uníssono ao professor Ventim. Disse-se católico apostólico romano e foi além, asseverou que o professor Edgar deveria ser banido da sociedade por tal calúnia universal. Aí ele, professor Edgar, indignou-se de uma vez por toda. Não ficaria mais ali ad referendum. Firmou o olhar. Catou e arrumou seus papeis e retirou-se sem dar satisfação a quem quer que seja. Nervoso e tremendo do lado de fora, escutou novamente os brados, risos e gargalhadas, surtos e gritos dos colegas docentes. Antes de sair também indignada, a professora Lisbela deu o seu testemunho:
_Sinceramente, estou muito decepcionada com os colegas cientistas... Sempre achei que estava acompanhada de cientificismo, achava também que havia ética e, sobretudo interesse em satisfazer a legitimidade da inteligência humana... Quando vim para estudar Física, seus conceitos e suas teorias, até certo ponto, superficiais, estava certa que todos pensavam como eu a respeito do enigma de o que é o universo, essa dúvida que me corrói todos os dias... Sem saber direito ou realmente o que é a existência, sem saber de nada do que existe, sem saber o objetivo exato, legítimo e genuíno da Terra, do mundo, dos corpos, das mentes e que me fez entrar no mundo cientificista para discutir, sugerir, teorizar... E hoje me deparar com uma pantomima da pior espécie, de quinta categoria de qualquer teatro amador, de péssimo gosto, protagonizado por meus colegas, que se dizem cientistas... Só para terminar, amigos, existe uma máxima em que todo cientista deve acreditar: “Quanto mais se descobre o universo, menos importante devemos nos sentir...” serve só para quem é cientista realmente...
O chefe do departamento professor Rui Mauriti continuou hirto, como se estivesse hipnotizado. Outros três professores que estavam na sala e participaram da reunião, ouviram todos os depoimentos, mas não se manifestaram.
QUARTA PARTE- DOMINGO 04/05

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