domingo, 18 de maio de 2008

O DEGOLADO - FINAL

Era a mesma multidão em torno do salão, ainda não distinguia claramente se era uma igreja. Mas parecia. O indivíduo com o hábito era o mesmo de antes, sem dúvida, era o professor Ventim. Era uma espécie de padre, melhor, era mais importante, parecia um bispo ou alto escalão do papado. O velho todo de branco continuava com o encapuzado. Uma mulher chorando muito. Não era uma festa ou procissão. Era um julgamento. Um livro grande estava nas mãos do padre ou bispo Ventim. Os guardas iam retirar o capuz do encapuzado. A mulher chorava muito mesmo, havia naquele choro uma verossimilhança muito grande e próxima do mesmo pranto em que Lisbela tivera durante o transe. O velho todo de branco cochichou algo no ouvido do encapuzado. A poeira cósmica do tempo virava-se para a imagem de Edgar no sonho. Aproximava-se. Cobrava atenção de Edgar. O bispo Ventim lia o que estava escrito no livro. Deram-lhe um papel. Nesse havia um desenho ao que parece. Mas o livro tinha uma semelhança muito grande com o que estava agora na mesa do escritório e que Edgar examinava minuciosamente. O papel era um desenho. Era o desenho do universo em paralelo, o ciclo, o desenho que também estava no escritório. Mas quem era aquele encapuzado? O professor ouviu o choro e a lamúria da mulher, intrigou-se mais uma vez com a aparência muito próxima de Lisbela. Ela gritava misericordiosamente “NICOLAU, NICOLAU!”. A multidão também gritava. Gritava enfurecida com o tal Nicolau.
_MUERTE PARA NICOLAU! MUERTE PARA NICOLAU!
Enfim a sentença.
_Para o agnóstico e desrespeitoso cientista Nicolau... MUERTE, DEFUNCIÓN, ÓBITO, POR DEGUELLA! Muerte, muerte e muerte... Três vezes muerte para a blasfêmia em torno de DIOS...
Nicolau havia descoberto o mesmo que o professor descobriu sobre o universo na idade média. E então quando o capuz foi retirado.
_SOU EU! SOU EU! Nicolau sou eu!
Edgar viu em desespero Nicolau ser degolado. Após a cabeça rolar na terra medieval e sangrenta, Edgar do alto do seu sonho, viu uma nuvem sair do corpo de Nicolau com todos os sentimentos e pensamentos que só ele sabia. Entendeu então o que significava “ranti”. O professor sentiu que era ele mesmo quem estava ali, viu o seu provável ciclo anterior acabar por causa da descoberta do segredo do universo. O professor Ventim sempre fora um dos seus algozes. Tudo estava realmente se repetindo, agora ele entendia as palavras do velho de branco e preto. Tentava refazer-se desacreditando de tudo que passara naqueles momentos, mas não podia. Sentia que havia outros mundos que compunham ele mesmo. Sentiu os átomos do eterno retorno de Nietzsche penetrarem nele próprio. Os átomos de Nicolau, seus pensamentos e o que descobrira sobre o universo. A lei univérsica. A intuição interior de Einstein, talvez ele também tivesse razão. As causas e os efeitos são produzidas por nós mesmos de acordo com nossos ciclos passados. O professor Edgar abriu o diário de Nicolau, estudou as descobertas, anexou-as às suas já em processo de formatação de livro científico, respirou fundo, como que conformado e satisfeito e continuou a suscitar dúvidas sobre o universo em harmonia...




Carlos Vilarinho, 22 de janeiro de 2007








VOCABULÁRIO IORUBÁ.

Ranti_ lembrança
Lá yá tú ká_ separar seu corpo da terra

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