quarta-feira, 14 de maio de 2008

O DEGOLADO sétima parte(penúltoma)

Em tempos o professor era interpelado nas ruas quase sempre por uma beata, ou por algum fiel de igreja evangélica. As beatas na maioria das vezes se comportavam e o tratavam com uma educação desdenhosa e irônica. Os fiéis evangélicos queriam por vezes massacrá-lo. Xingavam-no e faziam o gesto da forca. Passavam a mão rente ao pescoço, denotando julgamento e condenação prévia. A imagem do último sonho ficou instalada no seu consciente. Que festa seria aquela em plena idade média? Uma procissão que arrastou uma multidão provavelmente extraordinária para época. Contou o sonho naturalmente a professora Lisbela que o ouviu com curiosidade e avidez. Só que em um dado momento quando discutiam o sonho, já com a presença de Lucius e do professor-chefe Rui Mauriti, Lisbela em um ato falho e descuidado, pronunciou: ”Nicolau”. O detalhe é que o professor Edgar ainda não tinha mencionado o desenho que encontrara em sua mesa traçado pelo tal Nicolau.
_De onde você tirou esse nome, Lisbela?
_Que nome?
_O que você acabou de pronunciar...Nicolau.
_Nicolau? Eu falei Nicolau?
_(os três em uníssono) Falou.
_Não sei... De repente acho que não estava aqui, acho que entrei no seu sonho, Edgar, e me vi na tal procissão... Mas não era procissão, era uma coisa mais grave e séria... Estranho... E eu pronunciei Nicolau?
Todos anuíram concomitantes.
Dando continuidade aos trabalhos, Lucius apareceu naquele dia com uma pesquisa sobre Plutão. Todos ouviram curiosos sobre o exercício que Plutão move em ciclos do tempo. Em instantes a algaravia da discussão tomou fôlego. Desde a descoberta do planeta até hoje, houve e há simetria harmônica, de pelo menos Plutão, com grandes fatos ocorridos na Terra. Os professores procuravam corresponder com a tese do segredo do universo. Contudo no auge do debate um fato extrafísico, talvez empírico ou até mesmo espírita, manifestou-se na sala. Lisbela repentinamente começou a chorar e a tremer.
_Nicolau...! Nicolau...! (chorando em transe) Por favor, me perdoe! Nicolau, eu não tive escolha... Nicolau, é isso mesmo, você...
Calou-se e chorou durante uns cinco minutos diante de todos pasmos. Não houve jeito de conter a curiosidade, assim que a professora Lisbela recuperou-se todos inquiriam irreprimivelmente para desvendar o ocorrido. Somente o professor Edgar permaneceu sentado. Hirto, observando as pessoas e a atmosfera que se formava na sala do departamento. Tornou a ver ao longe, na portaria o velho todo de branco. Olhava-o plácido, sereno, sem esboçar nenhuma reação. Em seguida, o vento soprou forte e uma nuvem de poeira ergueu-se repentinamente do chão, dando ares de redemoinho, um pequeno turbilhão. O professor Edgar viu formar-se no ar, ali em sua frente, a mesma figura que o acompanha nos sonhos, sem nenhuma massa, e que havia sido desenhada pelo tal Nicolau. O Tempo e o vento. Referenciais da cinemática.
A professora Lisbela não soube explicar o ocorrido. Aliás, ninguém se atrevera a suscitar qualquer palavra sobre o sucedido, mesmo com o afã que tomou Lucius e o professor Rui de imediato, não houve qualquer comentário ou tentativa de explanação. Todos estavam admirados e extasiados diante do que presenciaram. Suspenderam as reuniões naquele dia. Lucius ainda ministraria aulas. Professor Rui Mauriti foi à biblioteca. Edgar e Lisbela tomaram o mesmo rumo na rua. Andaram a esmo conversando, a professora ainda muito constrangida e antes de se despedirem, Lisbela lembrou de uma estrofe de Mário Quintana que também se aplicava ao segredo do universo.
_...”Jamais, nada continuará, tudo recomeçará...”.
As cenas não saíram da cabeça de Edgar, ao chegar em casa debruçou-se sobre o misterioso livro. Havia desenhos e anotações. Não era um livro editado, parecia um diário pessoal, escrito ao que parece com muita avidez. Lembrou novamente da cena na sala do departamento. A professora Lisbela e os colegas, todos em volta querendo saber o que houve, ou o que era aquilo. Sentiu entrar num lapso de tempo e viu o universo se formando na cabeça de todos no momento do transe da professora Lisbela. Era como se estivesse flutuando. Era como se tivesse voltado ao tempo, na hora em que a professora pronunciava ”Nicolau, Nicolau!”. Súbita e inexplicavelmente sentiu sangue jorrando de dentro de si para fora. Sentiu o corpo desfalecer, formigar, tremular. No susto, pulou da cadeira e voltou para onde estava seu corpo. Lá yá tú ká. Fora aquela atmosfera que se formara na sala durante o transe de Lisbela. Ele conseguiu ver e não sabia, não tinha certeza do que vira. Examinava o livro minuciosamente. Pesquisava as anotações e os desenhos. No meio das sentenças e frases achou algo intrigante. A descoberta que fizera anteriormente a respeito do Messias, de Buda e Cristo. Sobre eles serem provavelmente as mesmas pessoas. Achou também algo a respeito do mito Adão e Eva. Estava escrito que Adão e Eva fora criação da igreja católica para amedrontar o homem. História fictícia para transformar ou burlar a consciência e tentar moralizar através da hesitação e do pavor iminente do tal fruto proibido. Aquilo estava escrito naquele diário. Alguém descobrira em outra época, em outro ciclo, o segredo do universo. Claro que não era privilégio de Edgar pensar a respeito das vidas passadas. Ele mesmo já lera sobre isso dos grandes filósofos e pensadores, contudo e ao que parecia, o professor fora mais além, entrara em campos que até então ninguém ousara. Olhava ávido e agora tenso também, todas aquelas informações vindas não se sabe de onde. É provável que o tal Nicolau, também pensara da mesma forma que ele. E de algum lugar do universo ele, o tal Nicolau, teve acesso aos pensamentos do professor Edgar. Dessa forma tentava comunicar-se e até incentivar. Vide os sonhos, as visões de Edgar e agora por último um livro de outro tempo de ciclo provavelmente remoto e passado, em matéria real e sólida, pura massa, que pousou na mesa de estudos, em sua casa. Sem falar no transe que tomou Lisbela. O professor sentia uma força cósmica e universal muito próxima a ele. Mas como cientista e principalmente por isso, até para que as pesquisas e observações continuassem, ele não podia dizimar as dúvidas. Com sofreguidão moderada, pôs-se a ler o tal livro e como de costume, cochilou e em seguida entrou em sono profundo. É provável que o objetivo do professor seria cair realmente em sono profundo. Assim, como já havia descoberto em sonho, transporia a barragem do tempo e investigaria seu ciclo anterior. E foi o que aconteceu. Deu-se então a descoberta.

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