sexta-feira, 29 de agosto de 2008

PERDA- de Edinara Leão

Segunda-feira
Teu corpo ainda vi um dia trancafiado de ânsias. Melenas de mulher largadas nas desamarradas coleiras de um cão. Deixas-te só e deixas-me. E vou. Só para conferir a nesga de verdade que resta depois de tudo.

Terça-feira
Escrever é fazer doer o que insiste em doer e não o que a vida permitiu o esquecimento da dor. Largas baforadas trazem a ausência ainda não aplacada, só contida. Continua a sangrar. Solução não há. Consolo: existir. Existem outras mãos.

Quarta-feira
Internet. Luzes. Deslizar de mãos no volante. Deslizar de rodas no asfalto. Nenhuma lágrima, só o nervoso das mãos. Transparência das horas – que não passam, no desfile das areias do tempo.

Quinta-feira
Miro girassóis no deserto. A quentura de teu hálito vem-me no café da manhã e esparrama melancolia. Nuvens de ilusão sobrevoam a mesa. E passam. Realmente passam. Já não há lugar para elas nos curtos caminhos em que o sonho jaz apagado.

Sexta-feira
Hoje é sexta. E tudo se arrasta. Não há expectativa. Também não haverá fim de semana. É outra segunda. Todo dia em minha vida é segunda. O teu corpo reaparece qual miragem – tuas-minhas ânsias. Meu corpo é torpor e o instante desmente o ponteiro. Não passa. Lassidão.

Sábado
Não levantarei. Nem hoje nem nunca mais. Levantar é sinônimo de reação. Para que enganar-me? Enganar quem? Até o cérebro recusa-se a funcionar. Uns chamam a isso “depressão”. Que seja! Dêem o nome que derem. O que são os nomes?
Não permitirei o abrir dos olhos. E basta.

Domingo
O véu esmaece o caminho. Imóvel é a pedra – a mover destinos. Desalento. Angústia. Cama sem guarda. Fitas no chão. Mundo no chão. Despencar. Nem muletas carregam pernas que não querem mover-se. Só minhas mãos ainda vislumbram medrosas a seda das desalinhadas mechas do cabelo teu. E o resto é perda...




Edinara Leão é escritora gaúcha

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