domingo, 19 de outubro de 2008

CARLOS SOARES & CLEVANE PESSOA

OS SAPOS de Manuel Bandeira, que hoje vivem no mundo cor de rosa estão por aí. Eles já sabem que sou sapo cururu... EHEHEHEHEHE...LITERATURA como todas as outras artes têm que escoar... O pobre tem direito a ler, ver-se e criticar a ele mesmo ou a quem quer que seja.ABRA ESPAÇO.

PÉROLAS DE MINHA INFÂNCIA - Carlos Soares

Uma de minhas qualidades é a memória, principalmente afetiva. Lembro-me de coisas de minha tenra idade que meus familiares e amigos mais velhos até se assustam com a riqueza de detalhes. E assim...como esquecer de Dona Maura? Lá em Ipatinga, cidade até então, pode-se dizer, começando a nascer, minha família foi a segunda a mudar-se para o bairro. A família de Dona Maura foi a primeira. Eu ainda era bebê de colo. Mas quem é Dona Maura? Uma negra, gorda demais, simpática, sorridente, com uma família tão numerosa como a nossa. E pobre também, mas nem por isso, menos feliz. Ah... e com uma voz afinadíssima. Como esquecer... ela batendo o pedal da velha máquina de costura, cantando...”como é que papai Noel, não se esquece de ninguém? Seja rico, seja pobre, o velhinho sempre vem...”. Logo ela tão pobre. Eu, com minha cabeça de poetinha ficava tentando entender e ficava até torcendo para que ela cantasse, não só essa, mas também...”se essa rua, se essa rua fosse minha, eu mandava, eu mandava ladrilhar...” ou “o cravo brigou com a rosa, debaixo de uma sacada...”. Incrível o tom lírico-triste-romântico que ela impunha àquelas cantigas.
A casa dela era uma festa da garotada. Não bastassem os seus tantos filhos, entre eles, Jaiminho, meu amigo até hoje que anda sumido, mas não esquecido, a garotada espalhada, sentada no chão, assistindo desenho animado. Como esquecer o dia em que ela tentando passar no meio da gente disse: Quantos meninos! Que meninada, bonita! Quem dera se fossem todos meus! Como esquecer, quando alguém lhe perguntava: Puxa vida, Dona Maura, como a senhora agüenta todos esses pirralhos o dia todo aqui? E ela, com suas bochechas negras, rechonchudas e sorridentes respondia: Deixe os meninos. Que mal eles podem me fazer? Melhor uma casa bagunçada que uma casa vazia.
Como esquecer dos doces que ela fazia? Quebra-queixo. Doce de mamão. Doce de cidreira. Adorava comprar jabuticaba que acabava num piscar de olhos. E o chouriço que ela fazia? Hummm... eu lambia os beiços. Certa vez alguém lhe disse que era pecado comer chouriço porque era feito de sangue. Ela respondeu: O mal é o que sai da boca do homem.

Eu costumo dizer que o tempo é covarde, mas nas coisas do coração o tempo não me venceu, pois ainda guardo na memória essas passagens. Guardo tanto que voltei à velha casa de Dona Maura, agora mais velha, mais gorda, igualmente negra, igualmente pobre e igualmente feliz. Lá não mudou muita coisa. A velha máquina de costura, encostada num canto, parece cantar sozinha...” se essa rua, se essa rua fosse minha...”. Claro que as crianças não são as mesmas, mas a sala dela ainda está cheia. Agora são netos, bisnetos e outros meninos. Os antigos, de meu tempo, cresceram. Eu, talvez nem tanto, pois me vi ali sentado de novo no meio daquela meninada.
Abraçado a ela, perguntei-lhe se se lembrava de tudo aquilo e ela me soltou mais uma pérola: Claro que me lembro. Vocês são meus eternos meninos.

Se recordar é viver... hoje estou mais jovem e mais vivo.
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Carlos Soares de Oliveira 29/03/2008. Escritor mineiro de Governador Valadares



CÍRCULO SEMPRE VICIOSO - Clevane Pessoa


Grana, greve,
grave,grito,
grupo,groove,
greta,grilo,
caos,status,
status quo,
casta,costas,
cestos,cistos,
custos,grana.

Hip Hop,
Upa-upa,
oba-oba,maravilha,
a turma da festiva, chegou...

Mas onde estão os que sabem
das coisas certas a se fazer?
Onde estão os formadores de opinião?
E os políticos que em época de eleição
tinham todas as soluções?
Confluir, agir, interagir,
formar a teia mais-que-forte
onde o Outro somos nós,
onde outrem é igual a Alguém
que somos nós.
tão des/iguais...

Das calhas do tempo,
chove um contratempo
a cada minuto...

Resolver, quem há de?

Já descobriram a fórmula científica
da felicidade?
Adrenalina, endorfina, dopamina,
menino vira menina,
casam-se com gêneros similares,
formam lares, criam filhos.
Hormónios, feromônios enganadores?
Novos pares:
talvez melhores,"paidastros", "mãedastras",
mais de uma até:
"maior número de presentes",
"vamos fingir que é bom",
-fazer a manha, exigir tudo
em dupli,triplicata...

Um feixe de peixe,
papel nos ares.
No ano passado, li que
os japones inventaram
peixes eletrônicos
com pedacinhos de músculo artificial encaixado entre os rabos
e os corpos.
Pescadores poderão pescar
sem ter de fritar as postas,
nem levar para a mulher escamar:
pescarão por condicionamento
mania igual a outra qualquer...

Na tradição koinobori (*),
crianças fazem os peixinhos,
as levíssimas carpas de tecido ou papel ,
que depois tremularão num mastro,
coloridas,na frente do azul do céu
parecem nadar no ar,
mas qual na água,
contra a correnteza...

Enquanto meu marido pescava
peixes reais com varas compridas
leves, de carbono,
em vez do antigo bambu da infância,
a esposa-poetisa e desenhista,
tentava captar o atraente movimento
dos peixes orientais,
importados , iguais aos bordados
em seu quimono.

Ao final do dia, ligamos o rádio do carro
e voltamos pelo caminho.
A "greve acabou":por cansaço,
por desesperança
ou a esperança renovou-se
à promessa de migalhas,
sem lembrar que amanhã, os preços dispararão,
os operários sonham com o domingo,
quando também pe(s)carão,
acreditando-se vencedores...

Quanto durará a ilusão?

Clevane Pessoa de Araújo Lopes

Um comentário:

Anônimo disse...

Bacana, bem realista.