quarta-feira, 23 de abril de 2008

O DEGOLADO

Dias atrás fui procurado por uma estudante de Filosofia da Universidade Federal. Disse-me a bela estudante que havia conversado com um poeta amigo meu e dela, portanto amigo em comum sobre os dois textos de “O SEGREDO DO UNIVERSO”. Falou que achou interessante minhas teorias e que foi encaminhada pelo poeta amigo para conversar comigo sobre as teorias dela. De imediato confesso que não tive muito a dizer, nunca me passou pela cabeça que alguém tão jovem iria me procurar para falar do que eu achava do universo em harmonia. Nem do que esse alguém jovem também achava. Fiquei lisonjeado primeiramente pelo reconhecimento do trabalho, repito, por alguém tão jovem. E perguntei se ela pensava realmente como seria a vida por trás das cortinas dos nossos olhos. A moça num rompante jovial argumentou que o simples fato de ela mesma ser jovem não a isentaria de pensar sobre as coisas da vida.
_Sou uma estudante de Filosofia e penso nisso desde que completei treze anos e perdi meu avô.
Foi o suficiente para quietar-me e ouvir e torcer na teoria jovial. Disse-me que sabia desde a morte do avô sobre os ciclos da vida. Falou de Nietzsche e comentou meu exemplo sobre Borges em “O TEMPO CIRCULAR”. Para ela o homem é composto dos quatro elementos que por sua vez compõem também o Universo. Terra, água, fogo e ar. Argumentou sobre a teoria dizendo o seguinte: “O homem é pó e ao pó voltarás” segundo a bíblia e por isso tem barro na gente, água é o que mais compõe nós mesmos, o ar a gente respira e expira, oxigênio e gás carbônico, portanto, e o fogo...”
_E o fogo? Perguntei.
“O fogo é o fogo ardente do amor, do coração”...
Prometi a ela postar um novo texto sobre isso e é o que eu apresento aí embaixo. “O DEGOLADO” Uma história que pode ter sido verídica. É quase uma novela por isso dividirei em partes.
PRIMEIRA PARTE


Foi na alta madrugada que a descoberta fez estremecer a cabeça do professor Edgar. Mais do que depressa o homem de meia-idade correu à escrivaninha e pôs-se a escrever tudo aquilo que vinha violentamente no seu pensamento. Afoito, ofegante e entusiasmado, delirava em si mesmo diante de uma hipótese, para ele palpável, do universo paralelo da física quântica. A Física é uma matéria abstrata e concreta, por vezes. Geralmente é ela quem explica os fenômenos naturais. O professor Edgar debruçava-se em Copérnico, Kepler, Galileu e, sobretudo Einstein tentando desvendar o segredo do universo. Diariamente ouvia pilhérias, risos escusos e cochichos quando passava no corredor da Faculdade. Mas agora não. Não havia tempo para pensar nas mediocridades dos colegas. O professor achava que junto com o eterno retorno de Nietzsche e a astrologia judiciária de Platão, além de “O TEMPO CIRCULAR” de Borges e nas reflexões de Marco Aurélio “Quem viu o presente viu todas as coisas: as que aconteceram no passado insondável, as que acontecerão no futuro” a sua tese se comprovaria. A vida e o tempo são ciclos circulares que fazem movimento rotativo e translativo ao redor do universo e de cada um de si. Ou seja, o professor Edgar estava a ponto de ter plena e absoluta certeza que todas as vidas existentes na terra já foram vividas em outros ciclos. E que serão vividas novamente. Diante de assustadora revelação que o universo lhe concedeu, o professor pôs-se a fazer conjeturas relutantes e refutantes para tentar provar a si mesmo o absurdo que lhe chegava a cabeça. Para a sua surpresa tudo se encaixava direitinho. A morte não era o desaparecimento total do indivíduo, mas o término de um ciclo, e o que ele não conseguiu fazer nesse ciclo derradeiro, faria certamente em outra dimensão cíclica. E o que havia feito, faria novamente com mais enlevo e arroubo da sua própria entrega. Até aí não haveria muita novidade, já que outros gênios além de Nietzsche e Platão também compartilhavam com tais idéias, sem falar na igreja católica, no espiritismo e outras religiões que vivem clamando pelos quatro cantos a volta do Messias. Quando por essas bandas, de acordo com a tese do professor Edgar, o Messias já pode ter voltado e morrido novamente. O professor corria de cima para baixo em furor científico, abria livros, procurava sentenças e parou em Schopenhauer “A forma de aparecimento da vontade é só o presente, não o passado, nem o futuro: estes só existem para o conceito e pelo encadeamento da consciência, submetida ao princípio da razão. Ninguém viveu no passado, ninguém viverá no futuro, o presente é a forma de toda a vida”... E pensou “É evidente, não é porque fomos bebês, ou que fomos um adolescente estranho à sociedade que isso foi nosso passado, já que a vida é atual, é presente, eles fazem parte do nosso presente...”. Sem amigos fiéis e sem mulher, o professor não tinha com quem discutir o presente que o universo lhe dera. Tinha que falar, falar e falar sozinho até se esgotar. Dessa forma ele mesmo fazia as indagações. E veio-lhe então na mente os demônios. De que forma ele explicaria os demônios? Como um jato de luz faiscante e efervescente a explicação chegou ao seu pensamento. Os demônios então seriam homens comuns que fizeram o mal em todo um ciclo de vida. Aliás, e provavelmente, vem fazendo atrocidades desde que se entendem como gente, em inúmeros ciclos que já vivera. Isso todo mundo sabe, principalmente as vítimas. Então para completar que é o homem quem cria tudo e vai aprimorando através dos tempos e dos ciclos vigentes, entra, meio incrédulo para a cabeça de um professor cientista, a tese da misericórdia. No momento da morte dos algozes da humanidade, o desgraçado não se arrepende dos seus feitos malignos e morre negando a indulgência misericordiosa, bondade de remissão às injustiças concedida pelo universo a todo ser humano. Encerrado então seu ciclo vigente de barbaridade contra seus pares, esse negador da purificação, é abstraído para um gueto negro paralelo à luz da criação e fica a atazanar as pessoas vivas que cumprem seus ciclos normalmente. O professor mais do que assustado, concluiu: “Então a misericórdia é dada a todo ser humano pelo universo em harmonia e não existe Deus!” Parou e pensou, sobretudo nessa última descoberta. A garganta coçou, a cabeça rodou e um efeito vaticinoso tomou seu pensamento. O professor Edgar quedou em sono profundo sentado em sua cadeira num pequeno escritório que mantinha em um dos quartos do seu apartamento.
Mesmo imbuído da certeza dos ciclos vitais, paradoxalmente o professor Edgar ainda carregava uma interrogação milenar na alma. Para o professor estava clara a idéia do eterno retorno de Nietzsche e do alinhamento dos planetas, como havia lido em Timeu. Entretanto e com tantas nuances que ele próprio havia respondido na madrugada da descoberta, o professor Edgar insistia em engatinhar como um bebê dentro da cosmogonia. Era necessário tomar pé da situação, enfrentar toda a desconfiança do mundo e revelar cientificamente o segredo do universo. Colocaria como item final na pauta da reunião do departamento de estudos físicos.

(DOMINGO (27/04) A SEGUNDA PARTE)
Carlos Vilarinho

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