sexta-feira, 22 de fevereiro de 2008

TRANSE RITUALÍSTICO

TRANSE RITUALÍSTICO

Foi quando lambi Eleonora pela primeira vez que a minha memória brilhou. Fingia que dormia e ia, em seguida, espreitar minha mãe e meu pai antes de dormir. Ouvia de mês em mês, meu pai dizer para minha mãe.
_Ah, Luciana! Que maravilha de sangue.
Ele estava com a cabeça enterrada entre as pernas de mamãe. Sempre tive curiosidade de saber o que aquilo significava e voltava para a cama com o gosto de sangue na lembrança. Ficava intrigado também com o sussurro de pathos de minha mãe emitia. Parecia uma comoção empírica que ela tirava do fundo da alma. Ao mesmo tempo a angústia e o remorso de pecador me perseguiam lado a lado. Sentava na cama e rezava o pai-nosso e a ave-maria.
_Não me castigues, ó Deus, todo poderoso! Livrai esse filho, ainda menino, da expiação luxuriosa.
E então estudava Latim para me tornar padre. Havia um sacerdote estranho e esquisito, contava histórias escabrosas e em todas as oportunidades contava num ímpeto irregular olhando para mim. Como se soubesse o que eu seria em poucos anos a partir dali. Tinha uma fundura nos olhos e um olhar penetrante de quem quer hipnotizar. Todos tinham medo, menos eu. Eu ria de través querendo despertar um desejo obscuro. Foi assim que percebi qual a data que meu pai chupava o sangue de minha mãe. Era todo dia vinte e oito. Cresci espionando todo dia vinte e oito do mês. Quando era adolescente, lá pelos quinze, dezesseis, eu olhava e depois me masturbava gozando um prazer estranho. Prazer de ter minha mãe. Queria ser Édipo. Acho que minha mãe chegou a perceber, pois um dia ao andar pela sala, ela baixou os olhos em mim e me viu teso olhando as suas ancas.
E assim fui crescendo, esperando ter uma mulher e sem conseguir nenhuma.
Eleonora chegou para cuidar de meu pai. Era uma sarará bonita e grande, cheia de sardas pelo corpo. Meu pai ficou estafermo, não servia mais para nada. Minha mãe ia receber o soldo da aposentadoria e deixava a metade na farmácia. Se não fossem as casas de aluguel que construiu, teríamos passado fome. Eu não sabia o que eu mesmo era. Não consegui ser padre. Um dia vi minha mãe conversando e gesticulando muito forte com o sacerdote. Não sei o que houve, mas depois desse dia ela nunca mais foi, nem me deixou voltar à igreja. Ali, naquele tempo, eu já sabia o que significava a cabeça de meu pai entre as pernas de minha mãe. Era quase um masturbador profissional. Entretanto sabia que ainda faltava algo em mim que por certo se concretizaria algum dia.
_Ah, Luciana! Que maravilha de sangue.
Era um silogismo que faltava a inferência da conclusão. Eleonora então fazia o seu trabalho regiamente, fazia a comida, lavava a roupa e banhava meu pai todos os dias. Eu a olhava com uma fome diferente. E algo grunhia na minha barriga descendo pela virilha. Comecei a pensar qual seria o dia da sangria de Eleonora. Tentei de várias formas olhar o volume entre as pernas dela mas não conseguia discernir. Eleonora era tão grande quanto havia entre as pernas. Não sabia se o volume que via era natural ou fabricado colado à calcinha. Também ela fechava a porta durante o banho bem fechada, além de, ao que parece, tampava a fechadura com papel higiênico.
E eu continuava sem mulher aos vinte nove anos. Eleonora tinha uns trinta e cinco por aí. Um dia vi que me olhava esgueirando-se na porta da cozinha. Passava os dias assistindo televisão e sonhando com as atrizes de novela. Sonhava tanto que às vezes trocava os nomes de minha mãe e até de Eleonora pelo das atrizes. Acho que isso despertou uma certa curiosidade em Eleonora, noveleira que era também. Então começamos a conversar brevemente. E por vezes notava um sorriso meigo de Eleonora para mim. Mas eu sorria pouco, nem sabia direito o que significava sorrir. Quando estava no catecismo o sacerdote dizia que risos e galhofas eram parte do demônio e, em seguida, ele mesmo ria um riso satânico. Que por sinal eu adorava e aprendi a rir só daquele jeito. O riso de Eleonora era diferente, era mais leve e brando. Acho que aquele deveria ser verdadeiramente o riso de uma mulher. Comecei então a ficar mais perto de Eleonora, mesmo sem jeito e acabrunhado. Aos poucos Eleonora acumulou funções. Passou a me servir também, além de os afazeres com meu pai. Minha mãe logo desconfiou e ao contrário do que eu imaginava, incentivou Eleonora a me seduzir.
Em poucos dias dei o primeiro beijo da minha vida. Meu beiço tremia e meu corpo todo esquentou. Lembrei de meu pai e o sangue de minha mãe. Quando chegava perto de Eleonora sentia uma fome diferente, como já havia dito antes. Sentia a carne quente e macia da sarará cheia de sardas. Como não tinha experiência com mulher, custei a me firmar diante de Eleonora. Meu pai moribundo não me dava instruções sexuais. Nunca dera, não seria agora depois de semimorto que daria. Minha mãe que um dia chegou bem perto de mim e me disse com agir com uma mulher. Fiquei muito constrangido e indignado com aquele atrevimento sem pudor de minha mãe. Senti de novo o cheiro de sangue. Dessa vez ele emergia de minha mãe.
Aos poucos então a minha dúvida foi se diluindo. Já sabia mais ou menos o que queria fazer e quem eu era na verdade. Pus-me então a orar dia e noite.
_Não me castigues, ó Deus, todo poderoso! Livrai esse filho, agora homem crescido, da expiação luxuriosa.
E rezava em latim. Um dia ao entrar no quarto de meu pai vi os seios de Eleonora, fiquei vermelho de vergonha e saí. Eleonora veio atrás de mim e decidida, começou a me acariciar. Disse-lhe que parasse que o pior poderia acontecer. Tentava então avisar, pois já sabia o que eu era de fato. Mas ela não deu ouvidos e disse que tinha sangue entre as pernas. Imediatamente foi acionado dentro de mim o que havia desde criança e só descobri alguns meses atrás. Fui para o quarto com Eleonora e comecei a lamber-lhe as pernas lembrando das palavras de meu pai com minha mãe quando eu os espreitava. Lambi todo o sangue que saía de Eleonora, suguei tudo. Em seguida fiz minha segunda vítima em três meses de antropofagia delirante. Abocanhei todo o sexo de Eleonora e com uma mordida firme arranquei os lábios vaginais. Eleonora deu um grito de dor lancinante, tentou desvencilhar-se e com minha força descomunal, mordi as nádegas. O sangue então jorrava com mais abundancia. Lembrei do bebê que havia devorado semanas atrás. A carne era diferente. A do bebê era mais deliciosa e suculenta, mais macia. A carne de Eleonora era um pouco mais dura e acho que as sardas davam um gostinho meio acre. Parecia que tinha sido banhado com limão, mesmo assim havia em mim um apetite monstruoso. Entendia então a fome diferente que passei a sentir por Eleonora. Como um lobo faminto destrocei toda a parte carnuda da mulher que já não respirava e em êxtase canibalesco, lambia e chupava-lhe as costelas. Ao terminar, voltei a mim, que não sabia quem eu era realmente se esse que voltara do transe antropofágico ou aquele imbecil que nunca fizera nada na vida. Como me livrar daqueles restos ali. Foi então que vi a figura de meu pai em pé se escorando em alguém, moribundo e rindo o riso dos sádicos.
_Muito bem, pensei que nunca ia aprender...
Vi então que quem o escorava era minha mãe, já com um saco para colocar os chupa-molhos que sobraram de Eleonora. Levamos para o quintal e fizemos o ritual de agradecimento ao deus canibal...


Carlos Vilarinho
08/12/07

2 comentários:

Letícia Losekann Coelho disse...

Eu simplesmente amo esse teu conto! Quando li lá na Gerana, amei de cara!! Esse está na lista dos melhores contos da minha vida!!!
Beijos

Unknown disse...

Porra Inho, esse conto é realmente fantástico. A fome poética do lirismo canibal transforma Eleonora na sua fome vida, de poesia, por mais arrebatadora que seja ela... Há toda um relação de intensidade, amor, sangue, esguio, vida e morte... Nelson Rodrigues que o leia, rsrsrrsr, mesmo que sugado pela terraa e seduzido por alguma sugadora de açoes antropofágicas da mesma tribo. Amei querido!