sábado, 16 de fevereiro de 2008

A GUERRA DE FORMIGAS

Texto classificado como conto pelo Concurso Letras Premiadas da Edição 2007 – ALPASXXI- DESTAQUE NACIONAL.
http://alpasxxi.literatura.zip.net
A GUERRA DE FORMIGAS

Um dia ao ler uma crônica de Ferreira Gullar deparei-me então com uma guerra de formigas. Dizia ele que um doido contara-lhe como fora a batalha sangrenta, indócil e irascível das de cabeças vermelhas contra as de cabeças negras. O doido, numa narrativa peculiar, metafórica e fabulosa, bem ao estilo de Esopo, deslumbrou e fascinou o hoje cronista e poeta que vivia debruçado na venda do pai em busca de nuances da vida cotidiana para mais tarde ele próprio degustar-se em suas histórias e poemas contados.
Eu não vivia debruçado na venda de meu pai, ele não tinha venda. Mas o vento que me esbofeteava o rosto, as folhas que caíam e as lagartixas que me diziam sim o tempo todo, me faziam pensar, ainda menino, no estado das coisas. Também menino, colocava formigas para brigar, sempre uma acabava arrancando a cabeça da outra e, já menino, não entendia o porquê de tanta violência incitada por mim próprio. Então, ainda menino, observava os adultos e, por vezes, via um tio brigar com uma tia, ele trazia a expressão louca na face. Todos o temiam, eu não. Não sei como, mas sabia que dentro dele havia um pulsar angustiado e saturado da vida em si. Ele brigava com a tia para satisfazer a angústia e saturação que realmente nos são impostas.
Descobri em Shakespeare que o ser humano só serve para viver. Cada qual em seu cada qual. Shylock, o agiota judeu, avisou a Antonio, o mercador devedor. Não nego que depois de algumas leituras, de alguns autores, tornei-me descrente e triste. Como diria um compositor, “assim caminha a humanidade, com passos de formiga e sem vontade”. E mesmo insone, acalentando a noite e pensando nos amores que tive e tenho, não consigo deixar de ser ser humano. Imagino o que levaria a considerar uma loucura. Acho que louco é o humano que é paradoxal e que paradoxalmente não aceita mudanças.
Lá pelo início dos oitenta, também conheci um doido. Ele não me contou história, apenas me deu uma injeção de glicose. Disse-me que tinha uma letra bonita, e era verdade, depois me pediu um esquadro (eu era estudante de desenho técnico). Ao questionar, ele me respondeu e só aí soube que era lunático. “É para medir a lua, saber onde pousar, tô construindo um foguete para fugir desse lugar de doido”. Depois me perguntou se eu era certo.
Ninguém sabe que é sozinho. E não quer saber. Só sabe que tem alguém para controlar, opinar e não respeitar o que esse alguém pensa ou acha dele. Desse outro que quer o controlar. No entanto quer saber o que se acha de outro qualquer certamente. Talvez surja uma nova espécie de santo, segundo Alberto Caeiro. Deus vai perguntar isso algum dia. E mais: vocês não querem ser iguais? Provavelmente haverá um uníssono sim. Como o da lagartixa. E aí todos correrão por entre as pedras, como as lagartixas.
Então “Que morte tem a morte, que vida tem a vida?” Responderíamos todos: mas que pergunta desse rapaz! Deve estar insatisfeito ou infeliz com alguma coisa. Como estar satisfeito com diferenças, ou indiferenças, gritantes. Ou como estar feliz com o amor longe e distante? Só mesmo Penélope para ainda amar Odisseu no meio de tantos pretendentes e do mar revolto que o levava cada vez mais para longe.
Mas o amor não é a minha seara, tenho que ficar atento no cimo do outeiro observando a guerra das formigas.

Carlos Vilarinho
04/11/07

8 comentários:

Letícia Losekann Coelho disse...

O conto é fantástico Carlos! E fiquei super feliz ao ler que foi destaque! Tu és um ótimo escritor!
beijos

Unknown disse...

Eu sempre soube Babuuuuuuuuuuuuuuu!!!
Parabéns!!!!!!!!!!

Anônimo disse...

Gostei muito Carlos, parabéns, fico feliz em conhecer uma pessoa tão especial como você, seu futuro é promissor garoto

Letícia Losekann Coelho disse...

carlos no meu outro blog tem festa de aniversário...vai lá comer bolinho! www.leticialocoelho.blogspot.com
beijinhos

Giovani Iemini disse...

hum... erudição é saber não citar as fontes.
não gosto de contos repletos de citações.

Carlos Vilarinho disse...

Gigio, você tem razão, mas inicialmente tratava-se de uma crônica, foi classificado como conto pelo concurso... Citando-se ou não o que importa é a disposição em fazer literatura e, como você, instigar quem lê e quem escreve.
De qualquer forma valeu.

Carlos Vilarinho disse...

Gigio, você tem razão, mas inicialmente tratava-se de uma crônica, foi classificado como conto pelo concurso... Citando-se ou não o que importa é a disposição em fazer literatura e, como você, instigar quem lê e quem escreve.
De qualquer forma valeu.

Anônimo disse...

Carlos, gostei do conto, e vou continuar visitando seu blog. Parabéns!