sexta-feira, 9 de janeiro de 2009

SOBRE A CEGUEIRA -de Flamarion silva

Diz Kafka:
— É verdade que não se pode dormir e sonhar sem se fechar os olhos. Mas não é estranho ver por aí tanta gente dormindo e sonhando de olhos abertos?
Dostoiévski responde:
— Se se tapasse a boca com a mão, a que sufoca, nem por isso, decerto os olhos saltariam, não de susto, mas de evidente denúncia, como se eles fossem uma boca e falassem.
Saramago encerra:
“Um homem entra em sua casa a esgueirar-se pelas paredes. A luz, acesa, imediatamente é apagada.”
— Ora, mas quem ousou acender a luz, reclama indignado. Será que todos não sabem que ela cega os olhos?
E, já mesmo sem seguir tateando, o homem adentra rápido à sala. Depois, senta-se no sofá, abre o jornal, e só aí, então, arregalando os olhos, procura em algum lugar onde deixou os óculos.

3 comentários:

(CARLOS - MENINO BEIJA - FLOR) disse...

Gostei. "Eu sou os olhos do cego e a cegueira da visão"(Raul Seixas). O óbvio escraviza

Anônimo disse...

Muito interessante o jogo entre os mestres. Gostaria que a conversa seguisse mais um pouco porque fiquei pensando em frases que outros escritores diriam ao participar da mesa redonda comandada por Flamarion.

Anônimo disse...

Obrigado pelo comentário, Carlos Soares.
Lembra-se, Gerana, que este texto faz parte de uma crônica "Cegueira Cultural", ambientada na Livraria da Torre? Nunca a publiquei na íntegra, pois ela põe em cena pessoas conhecidas, que, apesar de nada haver de comprometedor na crônica, poderia não ser bem recebida. Mas a idéia de dar voz a outros mestres do absurdo é interessante. Pensei em Camus, mas ele já está lá, em Saramago.
Abraços.