quarta-feira, 30 de abril de 2008

O DEGOLADO terceira parte

Um silêncio sepulcral tomou a sala. O professor Edgar permaneceu em pé, como fizera sua explanação, e hesitante. De repente todos começaram a falar de uma só vez. A algaravia extrapolou e tornou-se pior ainda. Uma zoada ininteligível, gritos, discussões e até gargalhadas ecoaram da sala do departamento de estudos físicos. O professor Edgar continuava em pé, silencioso e lívido. Somente ele, a professora Lisbela e o chefe do departamento professor Rui Mauriti continuavam calados. Ele, o professor Edgar, mantinha-se naquele estado presumindo que seria contestado. Ou quem sabe elogiado? Não saberia, no entanto como provar as teses e foi o que de imediato pediram, logo após arrefecerem os ânimos. O professor Edgar calou-se. Como poderia provar tal absurdo discrepante sobre o segredo do universo? Esboçou uma tentativa, mas ao olhar a professora Lisbela, esta moveu de um lado para outro a cabeça e levou o dedo indicativo aos lábios. O professor aquietou-se. Cerca de dois, três, cinco minutos no máximo de silêncio eterno, vozes, ruídos e brados, também eternos, ecoaram novamente na sala do departamento. Sem dúvida seria a reunião das revelações. O professor Ventim esmurrou a mesa de reunião, esganiçou pedindo silêncio. Ao conseguir, ainda vermelho e com o pescoço estourando as veias. Abriu verborragia. Ventim era ministro da igreja católica. Tesoureiro da sua paróquia. O professor Ventim distribuía hóstia entre seus fiéis, todos os domingos, quando o padre solicitava sua assistência. Sempre fora reservado, jamais alguém vira o professor Ventim referir-se à sua vida pessoal. Entretanto aquele acontecido na manhã de seis de setembro de 2006, que já constava em ata de reunião, o aborreceu por completo. Ventim em pleno século XXI ameaçou levar o professor Edgar a forca por tamanha injúria, infâmia e labéu. Falou que o nosso senhor Jesus Cristo jamais deveria ser comparado a um balofo oriental que nunca soube o que dizia. Que Alá é invenção de terrorista para liquidar gente inocente e que o único universo que existia era o reino de Deus, (novamente) nosso senhor Jesus Cristo.
_...portanto senhor professor Edgar, exijo que o senhor se retrate perante todos nós seus colegas de profissão e católicos de religião...
De imediato ninguém se manifestou a favor do professor Edgar. Nem a propósito do professor Ventim. Talvez o professor Edgar tenha conseguido bulir com os cientistas de plantão. Cutucar os pensamentos. Colocar mais dúvidas em cabeça de quem estuda. Contudo ninguém teve a coragem que ele teve. E em tempos o que houve verdadeiramente foi que o coro entoado inicialmente pelo professor Ventim ecoou. Em seguida dois outros professores que viviam pelos cantos criticando Edgar, nunca o encaravam para uma discussão científica desta ou daquela tese que seja, saíram em alta condenação àquela apresentada. Os primeiros que cobraram de imediato provas. Não discutiram, não conversaram, nem tampouco refutaram a pretexto de, pelo menos, acirrar e persuadir o trabalho apresentado. Um se disse espírita, chegou a dizer que Allan Kardec era muito mais cientista do que iniciado religioso, como todos falam. O outro fez coro em uníssono ao professor Ventim. Disse-se católico apostólico romano e foi além, asseverou que o professor Edgar deveria ser banido da sociedade por tal calúnia universal. Aí ele, professor Edgar, indignou-se de uma vez por toda. Não ficaria mais ali ad referendum. Firmou o olhar. Catou e arrumou seus papeis e retirou-se sem dar satisfação a quem quer que seja. Nervoso e tremendo do lado de fora, escutou novamente os brados, risos e gargalhadas, surtos e gritos dos colegas docentes. Antes de sair também indignada, a professora Lisbela deu o seu testemunho:
_Sinceramente, estou muito decepcionada com os colegas cientistas... Sempre achei que estava acompanhada de cientificismo, achava também que havia ética e, sobretudo interesse em satisfazer a legitimidade da inteligência humana... Quando vim para estudar Física, seus conceitos e suas teorias, até certo ponto, superficiais, estava certa que todos pensavam como eu a respeito do enigma de o que é o universo, essa dúvida que me corrói todos os dias... Sem saber direito ou realmente o que é a existência, sem saber de nada do que existe, sem saber o objetivo exato, legítimo e genuíno da Terra, do mundo, dos corpos, das mentes e que me fez entrar no mundo cientificista para discutir, sugerir, teorizar... E hoje me deparar com uma pantomima da pior espécie, de quinta categoria de qualquer teatro amador, de péssimo gosto, protagonizado por meus colegas, que se dizem cientistas... Só para terminar, amigos, existe uma máxima em que todo cientista deve acreditar: “Quanto mais se descobre o universo, menos importante devemos nos sentir...” serve só para quem é cientista realmente...
O chefe do departamento professor Rui Mauriti continuou hirto, como se estivesse hipnotizado. Outros três professores que estavam na sala e participaram da reunião, ouviram todos os depoimentos, mas não se manifestaram.
QUARTA PARTE- DOMINGO 04/05

domingo, 27 de abril de 2008

O DEGOLADO segunda parte

Ao sentar-se no banco do ônibus, ao lado da janela, imaginava uma forma de descobrir como teria sido o término do seu ciclo anterior a este. Talvez tencionasse evitar a própria morte. Conhecendo-o a si mesmo como tal, provavelmente não teve uma morte traumática ou dolorosa, de qualquer forma tentaria descobrir e viver mais dentro do seu próprio ciclo. De repente duas coisas o tiraram da concentração astral. A primeira foi conseqüência do seu pensamento em relação a sua morte. “Qual o real objetivo do universo em fazer com que todas as existências se repetissem entre si?”. O professor deu um muxoxo e soltou um palavrão, diante do desconhecimento da resposta. Em seguida, uma intrigante voz, macia e quase chorosa ao seu lado.
_Sua vida parece ter chegado em sua encruzilhada fatal...
_Como? Falou comigo, senhor?
_Falei, sim, filho... A sua descoberta não foi por acaso, todos os astros do universo conspiravam a seu favor, sempre conspiraram, seria uma questão de horas ou dias... Mas presta atenção nos seus atos, cuidado com o que quer fazer...
_Mas, quem é você? Como sabe o que eu descobri?
_Não se aflija, as pessoas tem como objetivo comum ajudar umas as outras, embora isso não seja de grande propagação e em certos casos, aliás, não é de grande aceitação, mas a função principal é essa...
_Mas quem é você? E o que você está falando? Que história é essa? Eu sempre ajudo todo mundo, ninguém me ajuda, isso sim...
_Por isso mesmo que estou lhe fazendo lembrar a sua própria função... Quanto a sua descoberta, ela já estava prevista, todos sabíamos que cedo ou tarde, de uma forma ou de outra você lembraria...
_Lembraria?
_Claro. Você não sabe que já passou por isso? Então se prepare, pois eles não mais te deixarão em paz... Sua paz acabou, filho... Você tem que pensar rápido como agir e deverá ter sempre em mente uma coisa: ninguém sabe, ou terá conhecimento do que você tem na sua consciência, portanto cuidado com as palavras que vai usar, não tente persuadir para não repetir o erro...
No momento que o professor abaixou a cabeça um pouco e voltou para o estranho para perguntar sobre o erro, ele já havia sumido, deixando no ar um cheiro de pipoca. Além de umas sílabas, uns monossílabos, ao que parece de outro dialeto. E veio-lhe na mente “iorubá”. Era assim: “Lá yá tú ká”. Além de “ranti, ranti”
Para arrefecer seu afã, tudo deu errado na reunião do departamento de estudos físicos, pelo menos a princípio. Primeiro, por pouco os colegas não o deixaram falar. Professor Edgar era desdenhado com considerada veemência toda vez que pedia a palavra em reuniões dessa natureza. Sempre o deixavam por último e mesmo assim quando o calor da lorota e do chiste sem ética em relação aos alunos estava no seu auge. O professor Edgar sempre fora voto vencido. O que o sustentava era o concurso que havia feito para ensinar na faculdade e a consideração da maioria dos alunos. E a admiração silenciosa sob estranho sigilo do professor Rui Mauriti, seu chefe e da professora Lisbela. Em meio à balbúrdia e barafunda que tomavam a reunião, Edgar enfim impôs a voz. Começou a narrativa do seu segredo do universo e à proporção que explanava, avançava o seu conteúdo, foi testemunha de olhares incrédulos e inquietos. Alguns ouviam embasbacados, outros refutavam e riam de soslaio, o chefe do departamento e a professora Lisbela, a única que pelo menos o cumprimentava e às vezes ajudava-o com o plano de aula, consentiam afirmativamente com a cabeça.
_(começou timidamente)...Há tempos faço esse estudo e é o que particularmente me move aqui, tenho conhecimento com as leituras que faço há anos que Platão desconfiava, já naquela época, sem ondas de rádio, televisão e muito menos Internet, que o alinhamento dos planetas de tempos em tempos provavelmente fazia com que tudo que ocorrera até então no mundo e em especial no planeta terra, tornaria a repetir-se, ele fez conjeturas e escreveu em sua obra Timeu... Sem falar em Galileu, que provavelmente também desconfiava dessa hipótese... Contudo, há falhas na concepção de Platão, é mais provável que haja realmente uma repetição, mas não em função do alinhamento dos planetas... Em seguida, Nietzsche e a teoria do eterno retorno, as forças finitas e o tempo infinito já passado, os estados possíveis já devem ter ocorrido e o estado presente é uma repetição, as citações de Marco Aurélio em que quem viu o presente já viu o passado e o futuro, a origem das espécies de Darwin, a dedução intuitiva de Einstein e outros estudiosos...(firmando segurança) Bom, conforme percebi com todos esses grandes mestres é que a vida são ciclos circulares, quando um ciclo se encerra, haverá um outro para que o indivíduo cumpra sua missão que deixou de ser cumprida e ao mesmo tempo realizar com êxito melhor aquelas que já foram realizadas, há, entretanto uma condição humana para que isso continue, o que amedronta o homem em toda a sua existência é a idéia da morte, de desaparecer, para amenizar isso e para usar efetivamente seu mecanismo de defesa e consolação mais eficaz, a palavra, a linguagem, o homem criou a religião e alguém para ele creditar sua passagem ao suposto paraíso... O homem criou Deus e ele não existe, como Nitzsche havia descoberto ou proposto... E com isso a palavra misericórdia ganhou força no universo, é preciso arrepender-se antes de encerrar cada ciclo, isso é uma constatação meramente científica que o próprio homem transformou em religião...(totalmente seguro e dominando a reunião) Criou-se então a idéia de pecado, de diabo, de inferno, paraíso entre outras... Entretanto tudo não passa de energias circulares a espera de um novo ciclo, essas energias enquanto aguardam o retorno tendem a olhar e zelar pelos seus que ainda estão por aqui, cada um cumprindo sua missão... A isso chamam de espiritismo, almas penadas, exus e outros... Há também uma outra coisa bastante interessante, muito se fala nos santos e orixás, Buda... E eles existiram realmente, a existência deles em ciclos estão realmente no passado, provavelmente eles não voltam mais (de repente uma interrogação hesitante e indecisa apareceu no meio do discurso), apesar do clamor de alguns seguidores energúmenos de que o Messias tornará (essa última frase foi fracamente pronunciada denotando insegurança, mesmo assim ninguém notou)... O fato é que os santos ou orixás, guerreiros do apocalipse, Buda, enfim, foram pessoas que sofreram ao extremo, além de serem visionários, assim como o próprio Jesus Cristo... Sofrimento e sabedoria são sinônimos que se completam, quanto mais se sabe mais se sofre e vice-versa, então estes ao alcançarem sabedoria acima da média, digamos assim, o próprio universo os presenteia transcendendo-os à condição de luz... Cabe uma dúvida aí, disse há pouco que esses iluminados não mais voltariam, se for assim eles atravessam pelos ciclos na condição de luz ou energia sempre induzindo o bem... Ou em cada ciclo vigente um deles ou todos retornam com outra forma. Existem conversas que Buda e Cristo foram as mesmas pessoas... Acho que essa segunda hipótese reforça ainda mais a tese cíclica, até porque os ensinamentos são muito parecidos. Eis que o Messias já pode ter voltado inúmeras vezes... Da mesma forma são os marginais e assassinos, e aí entra a concepção de misericórdia que falei há pouco, esses contestaram, negaram as indulgências que são dadas pelo universo em harmonia para o ser humano melhorar, com a revolta e a negação então, eles irão habitar guetos negros e sombrios. Sem poder abdicar do sofrimento inerente, eles passam a torturar quem quer que seja em seus ciclos diariamente...Portanto misericórdia e indulgência são dadas pelo universo e não por Deus...
Terceira parte 30/04 (véspera de feriado)

quarta-feira, 23 de abril de 2008

Pergunta feita pela amiga, leitora e grande escritora Gláucia Lemos.
Quem quiser se pronunciar fique à vontade.


Sem querer polemizar -sou péssima de polêmica- só para perguntar: O universo em harmonia não será uma perfeita extensão, ou aproximada definição de Deus?

O DEGOLADO

Dias atrás fui procurado por uma estudante de Filosofia da Universidade Federal. Disse-me a bela estudante que havia conversado com um poeta amigo meu e dela, portanto amigo em comum sobre os dois textos de “O SEGREDO DO UNIVERSO”. Falou que achou interessante minhas teorias e que foi encaminhada pelo poeta amigo para conversar comigo sobre as teorias dela. De imediato confesso que não tive muito a dizer, nunca me passou pela cabeça que alguém tão jovem iria me procurar para falar do que eu achava do universo em harmonia. Nem do que esse alguém jovem também achava. Fiquei lisonjeado primeiramente pelo reconhecimento do trabalho, repito, por alguém tão jovem. E perguntei se ela pensava realmente como seria a vida por trás das cortinas dos nossos olhos. A moça num rompante jovial argumentou que o simples fato de ela mesma ser jovem não a isentaria de pensar sobre as coisas da vida.
_Sou uma estudante de Filosofia e penso nisso desde que completei treze anos e perdi meu avô.
Foi o suficiente para quietar-me e ouvir e torcer na teoria jovial. Disse-me que sabia desde a morte do avô sobre os ciclos da vida. Falou de Nietzsche e comentou meu exemplo sobre Borges em “O TEMPO CIRCULAR”. Para ela o homem é composto dos quatro elementos que por sua vez compõem também o Universo. Terra, água, fogo e ar. Argumentou sobre a teoria dizendo o seguinte: “O homem é pó e ao pó voltarás” segundo a bíblia e por isso tem barro na gente, água é o que mais compõe nós mesmos, o ar a gente respira e expira, oxigênio e gás carbônico, portanto, e o fogo...”
_E o fogo? Perguntei.
“O fogo é o fogo ardente do amor, do coração”...
Prometi a ela postar um novo texto sobre isso e é o que eu apresento aí embaixo. “O DEGOLADO” Uma história que pode ter sido verídica. É quase uma novela por isso dividirei em partes.
PRIMEIRA PARTE


Foi na alta madrugada que a descoberta fez estremecer a cabeça do professor Edgar. Mais do que depressa o homem de meia-idade correu à escrivaninha e pôs-se a escrever tudo aquilo que vinha violentamente no seu pensamento. Afoito, ofegante e entusiasmado, delirava em si mesmo diante de uma hipótese, para ele palpável, do universo paralelo da física quântica. A Física é uma matéria abstrata e concreta, por vezes. Geralmente é ela quem explica os fenômenos naturais. O professor Edgar debruçava-se em Copérnico, Kepler, Galileu e, sobretudo Einstein tentando desvendar o segredo do universo. Diariamente ouvia pilhérias, risos escusos e cochichos quando passava no corredor da Faculdade. Mas agora não. Não havia tempo para pensar nas mediocridades dos colegas. O professor achava que junto com o eterno retorno de Nietzsche e a astrologia judiciária de Platão, além de “O TEMPO CIRCULAR” de Borges e nas reflexões de Marco Aurélio “Quem viu o presente viu todas as coisas: as que aconteceram no passado insondável, as que acontecerão no futuro” a sua tese se comprovaria. A vida e o tempo são ciclos circulares que fazem movimento rotativo e translativo ao redor do universo e de cada um de si. Ou seja, o professor Edgar estava a ponto de ter plena e absoluta certeza que todas as vidas existentes na terra já foram vividas em outros ciclos. E que serão vividas novamente. Diante de assustadora revelação que o universo lhe concedeu, o professor pôs-se a fazer conjeturas relutantes e refutantes para tentar provar a si mesmo o absurdo que lhe chegava a cabeça. Para a sua surpresa tudo se encaixava direitinho. A morte não era o desaparecimento total do indivíduo, mas o término de um ciclo, e o que ele não conseguiu fazer nesse ciclo derradeiro, faria certamente em outra dimensão cíclica. E o que havia feito, faria novamente com mais enlevo e arroubo da sua própria entrega. Até aí não haveria muita novidade, já que outros gênios além de Nietzsche e Platão também compartilhavam com tais idéias, sem falar na igreja católica, no espiritismo e outras religiões que vivem clamando pelos quatro cantos a volta do Messias. Quando por essas bandas, de acordo com a tese do professor Edgar, o Messias já pode ter voltado e morrido novamente. O professor corria de cima para baixo em furor científico, abria livros, procurava sentenças e parou em Schopenhauer “A forma de aparecimento da vontade é só o presente, não o passado, nem o futuro: estes só existem para o conceito e pelo encadeamento da consciência, submetida ao princípio da razão. Ninguém viveu no passado, ninguém viverá no futuro, o presente é a forma de toda a vida”... E pensou “É evidente, não é porque fomos bebês, ou que fomos um adolescente estranho à sociedade que isso foi nosso passado, já que a vida é atual, é presente, eles fazem parte do nosso presente...”. Sem amigos fiéis e sem mulher, o professor não tinha com quem discutir o presente que o universo lhe dera. Tinha que falar, falar e falar sozinho até se esgotar. Dessa forma ele mesmo fazia as indagações. E veio-lhe então na mente os demônios. De que forma ele explicaria os demônios? Como um jato de luz faiscante e efervescente a explicação chegou ao seu pensamento. Os demônios então seriam homens comuns que fizeram o mal em todo um ciclo de vida. Aliás, e provavelmente, vem fazendo atrocidades desde que se entendem como gente, em inúmeros ciclos que já vivera. Isso todo mundo sabe, principalmente as vítimas. Então para completar que é o homem quem cria tudo e vai aprimorando através dos tempos e dos ciclos vigentes, entra, meio incrédulo para a cabeça de um professor cientista, a tese da misericórdia. No momento da morte dos algozes da humanidade, o desgraçado não se arrepende dos seus feitos malignos e morre negando a indulgência misericordiosa, bondade de remissão às injustiças concedida pelo universo a todo ser humano. Encerrado então seu ciclo vigente de barbaridade contra seus pares, esse negador da purificação, é abstraído para um gueto negro paralelo à luz da criação e fica a atazanar as pessoas vivas que cumprem seus ciclos normalmente. O professor mais do que assustado, concluiu: “Então a misericórdia é dada a todo ser humano pelo universo em harmonia e não existe Deus!” Parou e pensou, sobretudo nessa última descoberta. A garganta coçou, a cabeça rodou e um efeito vaticinoso tomou seu pensamento. O professor Edgar quedou em sono profundo sentado em sua cadeira num pequeno escritório que mantinha em um dos quartos do seu apartamento.
Mesmo imbuído da certeza dos ciclos vitais, paradoxalmente o professor Edgar ainda carregava uma interrogação milenar na alma. Para o professor estava clara a idéia do eterno retorno de Nietzsche e do alinhamento dos planetas, como havia lido em Timeu. Entretanto e com tantas nuances que ele próprio havia respondido na madrugada da descoberta, o professor Edgar insistia em engatinhar como um bebê dentro da cosmogonia. Era necessário tomar pé da situação, enfrentar toda a desconfiança do mundo e revelar cientificamente o segredo do universo. Colocaria como item final na pauta da reunião do departamento de estudos físicos.

(DOMINGO (27/04) A SEGUNDA PARTE)
Carlos Vilarinho

sexta-feira, 18 de abril de 2008

EXPRESSÕES



Duas expressões chamaram a minha atenção nos últimos dias. Elas estão no corpo do texto “O VERMELHO E O NEGRO” de Sthendal. São elas: cegueira mental e asfixia moral. Essas quatro palavras divididas, como já disse, em duas expressões, entraram em mim e deixaram-me em sobreaviso incômodo. Tenho renintentemente parado para pensar nessas unidades mínimas que contém livres enunciados. Assim mesmo no plural. Conheci ao longo da vida em até agora minha curta existência pessoas, diga-se, e infelizmente, muitas pessoas, que cada uma a seu modo e estilo que sofrem paulatinamente numa evidência latente e manifestante do poder espiritual dessas duas expressões. Pondo-as em prática e fazendo sempre jogo de sedução e interesses para quem unicamente lhes interessa. Interesse não cego e amoral de matérias e valores afins. Cegando-se e asfixiando-se muitas vezes para aquele que está e sempre esteve mais perto com afeto e amor verdadeiro para doar. Não somente eu, mas alguns poucos ainda não cegos e/ou não asfixiados que conseguem ler, interpretar ou prever o que é comum e o que é criativo. O que está explícito e o que está oculto. E por aí vai. Só para exemplificar como o meu pensamento ficou em ebulição após o conhecimento efervescente dos tais enunciados. Talvez, para sair da seara que está ao redor e numa visão mais ampla e geral, sejam dessas pestes lexicais que sofram os governantes e homens do poder do mundo inteiro. Isso contaminou a humanidade.
Durante uma conversa informal com um amigo, dizia-me ele que não sabia situar a humanidade nos dias de hoje, contemporaneamente. Disse-me ainda que talvez estivéssemos como na idade média em que a obscuridade e o abuso de poder eram latentes e iminentes a cada momento. Não sei. Há no mínimo um paradoxo, ou multisignificados, na questão da obscuridade. Inversões no sentido obscuro, pois todo o globo terrestre é muito bem iluminado. Por outro lado as tramas urdidas na política, nos esportes, nas comunidades em geral e até domésticas, todas elas no esconso da luz, por debaixo do pano ou por trás dos bastidores, como queiram, e para sobrepor o outro em baixo do chinelo ou do mocassim, levam-nos de volta à era medieval, sem dúvida. A humanidade está contaminada, sim. Sem poder de refletir, aliás com poder de decidir, mas com uma indolência pachorrenta na reflexão que para livrar-se e justificar-se em seguida é acometida de um prurido que só alivia quando, sem mais nem menos, renuncia a sua voz, o seu desejo e tornar-se cego mentalmente. Subvertendo-se à vontade e conseqüentemente ao poder do mocassim, ou do chinelo, que sufoca e esfola sua garganta.
Como dizem por aí, e eu sou um dos que compartilho de tais dizeres. Quiçá crença, ou tese, astrológica e científica. Que o mundo dá voltas e tudo se repetirá. Se realmente for dessa forma, espero que numa nova volta do universo, Platão tenha êxito em Siracusa e consiga imprimir a ética entre os governantes. Fazendo-os raciocinar e ao mesmo tempo sem perder a emoção e a ternura distribuir conhecimento e cultura, sem a usura dos sofistas. Educação gratuita para acender a mente. Isso nem de longe se vislumbra nos dias de hoje, século XXI. Por aqui e em qualquer outra parte do globo terrestre. Contudo a história da humanidade já nos mostra o vício ditatorial, desde aquelas eras ninguém queria saber de ser justo, ou pensar diferente para criar um mundo melhor. Mas mesmo assim as coisas foram mudando. Mesmo que fossem mudanças a partir das camadas abastadas, da burguesia, do clero e enfim da alta sociedade. Mudanças que chegavam ao proletariado e ainda chegam. Mesmo que como aparências e não como verdades. Desconfio de maneira visceral que essa última sentença escrita aí atrás seja o real lema de todos que detêm o poder, sobretudo e principalmente daqueles muito religiosos. O problema é a acomodação mental dos , digamos, pouco favorecidos e a convicção plena e exagerada destes mesmos, nas palavras deturpadas que um dia o mestre falou, nas expressões criadas para amedrontar e cegar mentalmente, na misericórdia e caridade de araque daqueles que os detestam. Como dizia Cazuza em uma das suas geniais metáforas e expressões. Uma asfixia moral e autoritária da sociedade que está por cima da carne seca...
Se Sthendal já observava uma cegueira mental e asfixia moral em Paris do século XIX, o que dizer então das nossas margens plácidas...





Carlos Vilarinho 26/02/07

sábado, 12 de abril de 2008

CARTAS DE AMOR



Só percebi realmente como deveria se sentir uma Reginae quando cheguei a origem do meu sonho. Desde então meu nome era para mim uma simples derivação latina. Originada de uma língua morta e sem brilho nenhum. Quando escrevia e mostrava meus poemas às pessoas que me rodeavam, não sentia tesão literário ou dialético emergindo delas. Ficava triste pela indiferença poética e ao mesmo tempo imune da mesmice que eu entendia e não me contagiava. Comecei a escrever cartas para um escritor de lá do outro lado do país que nem conhecia. Isso há muito tempo. Escrevi uma, duas, três, dezenas. Até que um dia o carteiro Joélio gritou meu nome no portão. Desconfiei, tinha certeza de que nunca falara com aquele carteiro magricela. Ele sabia quem eu era, pois depois de chamar por mim, esgueirou-se na janela. Minha irmã sempre recebia as correspondências, mas ele olhou para mim. E dessa forma recebi a correspondência do tal escritor já desconfiada e descrente que ele também se tratava de um senso comum. Ao contrário do que todos pensam de uma adolescente cheia de curvas como sou, sempre levei as coisas do meu pensamento a sério. Mesmo sabendo que dadas as seguintes relevâncias apáticas, contraditórias e díspares da grande maioria, às minhas idéias, à minha linguagem e às minhas peculiaridades idiossincráticas, tinha conhecimento que, em relação a esses meus adjetivos, jamais haveria valor e mérito, além de desvelo. Simplesmente por tratar as metáforas que emergiam do fazer poético com grande eloqüência e sinceridade. Então me chamava Regina.
Ao abrir a carta que o escritor mandou para mim, numa ânsia demente, já não achava que o mundo poderia ser transformado. E continuo achando, só que de uma maneira mais atrevida e irônica. Para mim a palavra não é unidade livre e separada, ou às vezes é. E foi isso que o escritor tratava na carta. O sentido e importância da palavra. No entanto, como sempre soube de minha diferença desde o início, aliás, lembro-me de que uma vez quando estudava na sexta série, uma professora mandou que fizéssemos um diário a respeito de um reality show que um canal de televisão exibia mostrando seus dentes e garras afiadas de besta-fera a capturar o telespectador em busca de audiência. Eu tinha doze e sabia que aquilo era além de estupidez, falta de respeito com a população que grogue não conseguia raciocinar como devia em frente à qualidade das imagens técnicas ostentadas. Então diante daquela professora de Língua portuguesa insana, resolvi não mais pronunciar palavra alguma. Iria ser muda. Queria criar um mundo de mudos. Como o escritor, outro escritor, criou o mundo dos cegos. Mas de imediato percebi que não seria um bom caminho, essa mudez político-filosófico-social. Ao contrário, aí, caí em mim que quanto mais falasse e revelasse o que pensava incomodaria muito mais, sobretudo a quem não tem significado próprio. Dessa forma pus-me a falar até renitentemente. Até que descobri a poesia como forma de comunicar, sobretudo para os mais sensíveis. E de chamar a atenção, mesmo que todos me achassem louca, para o mundo inteiro. Chamar a atenção dos sensíveis, dos insensíveis, dos que desconhecem, dos que não pensam, e fazê-los de uma forma ou de outra pensar, dos másculos, das females, dos cegos, dos surdos, dos especiais, dos professores, dos jornalistas que cuidam de distorcer, ou criar, as notícias, dos políticos, também dos perus dos políticos que acham que são políticos, mas são perus. E os poetas acima de mim. Digamos assim.

Comecei a ler a carta de um desses poetas. O escritor que me desdenhou durante anos, mas depois, ao ler, percebi e senti que não foi desprezo ou escárnio do escritor comigo, simples ex-muda. Vou ler para vocês algumas passagens dessa missiva.

Prezada Regina

Depois de ler todas as cartas que me mandara ao longo desses anos, acho que chegou a hora de retribuir sinceros reconhecimentos que tens por mim. Acho, no entanto que não sou merecedor de tantos adjetivos que me impões de maneira tão docente. Sou um cidadão que ainda não sei quem sou. Vivo preso nas teias de palavras que só são palavras. Não adianta muito se as palavras estão nas bocas sendo pronunciadas sem real significado e sem reverência a mesma palavra (...) No entanto em resposta à sua ultima carta, onde me falou de uma noite sem estrelas e do amor sem ser sentido. Ora, querida Reginae, todo poeta ou quem labuta com as palavras deve sempre levar consigo o amor dentro de si mesmo. Não se assuste ou se retraia se algum dia receberes uma declaração de amor inusitada, de alguém que talvez não conheça direito. Não desdenhe daquela declaração, porque ali está uma semente de transformação do mundo (...). Estou a lhe dizer essas unidades mínimas da comunicação, pois percebo que a dúvida balança seu coração e sua mente. Continue querida Reginae, a colocar no papel toda a sua essência política, sua sensibilidade de poeta. Nunca pare de interagir com outros poetas e escritores. Não andes em desavindo, pelo motivo nobre de alguém lhe ter dito que te amas. Mesmo que esse alguém, como já disse lá em cima, seja um meio desconhecido, por assim dizer...
Aguardo novas letras
Um abraço,

Fernando Calderón

Depois de ler, lembrei-me de outro escritor que andava comentando os meus comentários, as minhas poesias publicadas em periódicos urbanos, on line, e dizendo que me amava. Fiquei fula da vida, para mim só havia amor entre pessoas presentes. Jamais passaria pela minha cabeça de poeta que dessa forma o amor poderia ser disseminado. Realmente acho que se as pessoas dissessem uma para as outras o quanto as amam, muita coisa mudaria. E não seria uma mudança tênue ou sutil, seria uma mudança substancial nas relações e nos sentimentos. Me deu uma vontade danada de escrever ao escritor que dizia que me amava e que morava em outra cidade distante milhares de quilômetros. Veio em minha mente a epístola dos Coríntios e senti o amor dentro de mim. Entendi então aquela razão de postar sempre “eu te amo” nos meus textos e em minhas opiniões. Aquele afeto natural e dionisíaco advindo do escritor virtual e on line. Comecei então a escrever, ou talvez, fazer um esboço de uma carta contemplativa para mandar ao escritor, foi aí que me dei conta que escrever uma carta de amor não é tão fácil quanto parece. Principalmente pela condição e responsabilidade de usar a linguagem simples, objetiva, qualificada e cheia de signos lingüísticos do tamanho do amor condizente e não inundar de catacreses o tema mais belo e puro do universo. Um pensamento então me invadiu por inteira. Se estava galgando escaladas no mundo das Letras, buscando cada vez mais melhorar o estilo do meu trabalho, teria que saber como o amor se apresentava em mim e também nas outras pessoas. A visão das outras pessoas em mim mesma. Isso causou uma enorme confusão dentro do meu eu criativo. E a partir daí que comecei minha carta ao escritor on line que dizia que me amava.

Prezado escritor on line,

Devo dizer-lhe de imediato nessa missiva o quanto fiquei magoada e enraivada com suas palavras de amor instantâneo. Confesso que achei aquilo um absurdo. Nunca concebi que o amor pudesse ser longínquo e imaginativo como o senhor propôs em meus textos e comentários na nave internet. Tive acesso de ódio literato ao ler suas palavras que julgava mentirosas. Garanto-lhe que se fossem no papel aquelas palavras doces e suaves que remeteste para mim, rasgaria no mesmo atmo de segundo com que oxigena seu cérebro para em seguida e com ímpeto de Dom Juan, ou de Dorian Gray, redigir os seus encantos amorosos. Rasgaria com certeza. Contudo ao receber uma carta de outro escritor-pensador e este ao me dizer que o amor tem que ser declarado, disseminado e contagiado como vírus benevolente, mudei subitamente de idéia. Entretanto fiquei reticente para lhe escrever, pois nem mesmo sabia quais vocábulos usar para ratificar e agradecer seu pensamento amoroso. Então confusa e com diversas vertentes amorosas em ebulição dentro de mim. Lembrei-me da minha infância e da minha tentativa em só me comunicar através do pensamento em mudez revolucionária. Percebi então que a mudez não levaria, nem transformaria o que eu precisava transformar. Só com palavras bem ditas ou muito bem escritas que as coisas se aprumam e dessa forma, senhor escritor on line, confesso minha admiração pela sua ousadia e pelo start que dá ao falar de amor para a humanidade...

Reginae

Trocamos cartas durante um ano inteiro, sempre falávamos de amor e ele sempre que achava espaço entre um e outro período sintático dos nossos pensamentos colocava uma expressão amorosa que dizia respeito só a mim, mesmo que os textos caíssem em outras mãos não saberiam o real significado dessas expressões. Uma delas ele colocou ironicamente e ao mesmo tempo para me chamar a refletir. Não direi, pois tenho vergonha de ter criado uma expressão tão nula e que embranquece mais ainda o papel. Por outro lado, quando lhe disse que me envergonhava, ele despertou a expressão como criação minha e que eu não poderia desprezá-la. Relutei e depois percebi que tinha razão. Se eu criara a expressão, tinha mais que fazer uso dela, até porque não seria eu o juiz do meu próprio texto e sim o leitor amigo. Com o tempo passei a imaginar a imagem do escritor on line. Não entendia o motivo de não haver uma foto dele na rede. Sendo ele do outro lado do país, o lado mais pobre, pensei então num sujeito de cabeça grande, feições rudes e voz fanhosa. E ri dele, melhor, da imagem dele que eu mesma criara, e de mim também. Pensei no povo que o rodeava, faminto, sem esperança, cegos de razão e sem conhecimento prévio para reivindicar melhoras. Um escritor daquele quilate sem público leitor e guerreando sozinho para transformar sua gente. Quem o entendia, provavelmente não fazia questão de deixá-lo usar a oralidade das letras. Ele então escrevia, mas quase ninguém lia, ou lia e não entendia, ou lia, entendia e abafava. Como deve sofrer o escritor on line. Dessa forma então, condoída e cheia de amor dentro de mim fiz uma declaração ao escritor pelas linhas da internet. Disse-lhe, entre outras coisas, que o amava também e que havia entendido a função do amor entre os homens. Só que estava triste, sem brios e me sentindo indigna, pois o próprio homem que reclama somente o amor de uma mulher não se volta para o lado para amar o seu semelhante. Pior, às vezes escarnece a palavra de amor que alguém ousa pronunciar sinceramente, como eu fiz com ele mesmo ao ler “eu te amo” em suas mensagens on line. E ele respondeu minha declaração através de uma carta não on line, mas em papel A4 escritas em linhas tortas.

Querida Rainha Regina

Não desdenhe seu próprio eu pelo tempo que passou e não conseguiu então naquele momento entender a razão do meu “eu te amo”. Amo principalmente todos que amam as Letras. Pois sem elas não poderíamos trabalhar ou guerrear como formiguinhas se preparando para o rigoroso inverno. Li uma vez um texto escrito por você mesma em que fazias uma relação metafórica de uma noite sem estrelas e os anacolutos e prosódias, digamos assim, que rodam nossos ouvidos. Ou na descrença que tinhas em amar um desconhecido presencial. Acredito que agora sabes que não é necessária a presença de Sócrates, ou Gandhi para amá-los. Não que eu seja um desses dois. Talvez, pois há muita metafísica no mundo, segundo Alberto. Mas acredito que não sou nenhum dos dois. Soube num terreiro de candomblé que fui degolado por escrever cartas de amor numa comunidade, ou condado lá na alta Idade Média. Escrevia para uma princesa de um castelo, cartas de amigo, amantes que só a nossa cumplicidade distante sabia. E desde então essa passou a ser minha missão toda vez (?) que estivesse vivo aqui na Terra (a interrogação é proposital para as inferências literárias e filosóficas a respeito de nós mesmos e do mundo inteiro). Evidente que você tem uma relação muito próxima das palavras e sei que chega a ouvi-las diferentemente do senso comum, por assim dizer, não que o resto do mundo também nãos as ouça, mas você, eu, whoever (digamos) que trabalhe as Letras de modo sensível e artístico sem ser meramente literatim, transcrição de outrem. Certamente percebe-as como um elemento físico que descobre o metafísico. Portanto Reginae é bom saber que minhas letras de amor estão chegando a você melodiosamente como deveriam ser todas as letras entre todos os povos. Infelizmente sabemos que a guerra é o indício mais forte e presente de incomunicabilidade entre os pares. No entanto longe de nós está a incomunicabilidade.

Do seu prezado escritor on line
Soube depois que mais uma vez que o escritor que me ensinou a amar diretamente com as palavras, sofria de mais um desgaste confuso e político causado pela distorção interpretativa de suas palavras. De alguma forma a imagem da princesa no castelo chegou até a mim desesperada dentro de um inconsciente coletivo. Coletivo e ao mesmo tempo singular e pessoal. Não sabia o que eu tinha a ver com aquele escritor, de repente as coisas começaram a clarear dentro de mim mesma. Me vi num estábulo medieval de gado vacum, eu acho, cobrindo de feno um homem com papeis na mão. Ele ria e chorava ao mesmo tempo. Jurou-me agradecimento ao resto da vida. Na mesma imagem um pouco mais tarde vi alguns soldados o levarem. Acordei subitamente com uma algaravia de urros pré-históricos de prazer sanguinário. E ouvi bem distante... “Sanguinarium!!!”.
Era ele, o escritor on line indignado com sua morte estúpida...

Carlos Vilarinho 05/04/08

Carlos Vilarinho é autor de “A RESTITUIÇÃO DOS ZACHEUS” prêmio CLÉBER ONIAS GUIMARÃES- São Paulo 2006, “O OGRO QUIROMANÍACO” prêmio LETRAS DA BAHIA-UESC-2007, “A GUERRA DE FORMIGAS” autor destaque nacional ALPAS XXI-2007 Cruz Alta-RS. Além de o livro “AS SETE FACES DE SEVERINA CAOLHA & OUTRAS HISTÓRIAS” EGBA-2005.

terça-feira, 8 de abril de 2008

O SEGREDO DO UNIVERSO (segunda parte)

TEXTO PARA REFLEXÃO. Essas coisas vêm à minha cabeça e não posso ficar com elas sozinho. Pensem também.O SEGREDO DO UNIVERSO
(SEGUNDA PARTE)


Ainda sobre o universo. Tema inesgotável, amplo e profundo, talvez infinito em seu próprio eixo. Disse que a vida são ciclos circulares e, ao mesmo tempo, lineares, provavelmente intermináveis, que se renovam a cada término. Ao recomeçar, os ciclos trazem com ele a experiência e os infortúnios do passado em outro ciclo sempre em busca de uma missão a ser designada. Ao que tudo indica para o indivíduo desenvolver essa missão deve haver então uma espécie de acordo do universo com ele próprio. Não duvido disso, apesar de não ter absoluta certeza. É bom que se diga que esse meu pensamento está longe de qualquer dogma ou segmento religioso e científico. São constatações intuitivas e também baseadas nas leituras dos que foram maiores do que eu, até então, e viviam sobrecarregados e curvados com o peso do fardo da dúvida universal. Uma angústia, uma aflição cheia de agonias que estala as instalações neurônicas. Acho que também por isso Nietzsche vivia com dores de cabeça. Como Einstein, acredito sem piscar na relatividade aplicada à vida no planeta. Alguns fenômenos só são explicáveis matematicamente e por isso é difícil de acreditar sem ser no plano científico.
O fato é que o planeta é constituído de bilhões de pessoas diferentes e dissonantes. Tão simples e óbvio, ao que parece. Mas não é. Trata-se de complexidade e multiplicidade. Isso torna mais estranho e enigmático as profundezas do universo em si mesmo. Além da estranheza e do mistério obscuro que cerca a vida, mesmo que sejamos banhados em luz, há iminentemente o perigo de se viver. Pode-se perguntar o porque dessa afirmação anterior. Ora, com a contingência maior do que o raio de ação, onde já se vê claramente que está sobrando gente no mundo, transbordando pelas beiradas do planeta, e a disputa pelos espaços é cada vez mais violenta, todos são ameaças para todos. Dessa forma, uma opinião como essa aqui, que destoa da sua grande maioria, pela falta e desconfiança da pura “fé em deus”, tornar-se-á provavelmente aos olhos do mundo um pedido suicida. Pequeno exemplo e lembrança, Sócrates e Jesus Cristo sucumbiram assim.
O que dá descrença ou desconfiança à questão religiosa. Não é o povo com sua fé, às vezes, exagerada. Como hoje em dia. Mas seus líderes que fazem bricolagem, sabem da energia que nos envolve, ou não sabem, e de posse da oratória, reles que seja, e na sua grande maioria aparvalhada, confusa e intricada, aproveitam-se e injetam-lhes pavor, sustos e ameaças demoníacas. Sempre propositalmente e dessa forma conta-se com o desconhecimento e a falta de leitura dos seus seguidores, faz com que através do pífio e vil discurso transbordando de doutrina satânica o medo seja-lhes induzido e usurpa a clemência e a misericórdia doadas gratuitamente pelo universo em harmonia. Transformando-as em dinheiro vivo, mascaradas em obras assistenciais e/ou dízimos. Ou quando a cara-de-pau é de madeira de lei não mascara nada e mete-se o dinheiro bolso adentro. Não quero, nem estou a desdenhar do alicerce que segura o homem desde a sua aparição no planeta. A fé. Acho que tem que se segurar em algo realmente, mas com cuidado e sempre questionando uma ou outra coisa.
Em suma, há que se destacar dois tipos de homem que o universo condecorou. Entre algumas dezenas. O homem-comum, por assim dizer, que precisa de amigos e de deuses, amanhã se tudo falhar sobrarão os deuses para ampará-lo. O outro é o homem-pensador que conta unicamente com seus amigos. Se estes falharem ele só contará com ele mesmo e seus pensamentos.
E assim, conclui-se que o universo é tão grande, nos oferece tanto, que a maioria não consegue enxergar além de três ou quatro metros. Preocupa-se tanto em garantir um lugar ao lado de Deus, fazem-se caridades tortas e mascaradas. Corre-se para angariar dinheiro e empanturrar-se. Teima-se em ser igual e ter prazeres repetitivos e sem razão aparente. E morre-se consumido pela vida e sem sabedoria.
Quem tem dúvida, essa dúvida que levantei e partilho com o leitor em dois textos, vive-se com os neurônios estalando, é verdade. Carrega o fardo acumulativo e angustiante, também verdade. Contudo está envolto em constante clímax não linear e não repetitivo. Circular como devem ser os ciclos da vida e em progressão harmônica. Além de ter sempre em mente um paradoxo interessante e estranho como a dúvida que lhe persegue. Sabe-se que cada vez sabe-se menos. Contudo ao saber que se sabe pouco, sabe-se também, ao mesmo tempo, que já aprendeu um pouco mais do que antes.
Por vezes, tem-se vontade de dar-se fim naquele ciclo em que está inserido e dissipar a dúvida. Ter novamente contato com a verdade além da vida. Entretanto como já dizia Nietzsche: “quantas verdades suportas?”.


Carlos Vilarinho 08/03/07

sábado, 5 de abril de 2008

DIREITO

Não gosto de politicagem. Mesmo sabendo que a ciência política é o cerne do pensamento humano. Não tem jeito. Então absorvido como estou, e sou, no mundo das palavras, não posso, nem devo "ficar em cima do muro". Não fico em cima do muro, mas vivo, e ando, na linha tênue que separa um e outro na vida. Caminho a passos firmes para transformar. Metáfora, eufemismo, hipérbole, metonímia. Driblando as flechas, distorcendo idéias abusivas e absurdas em verdades claras e filosofia cotidiana. Trazendo meu semelhante para o pensamento em si mesmo e para o outro que está ali à espreita, como lobo sedento...
Esse texto aí abaixo é antigo, virão com o discorrer dos fatos. Contudo nada mudou. Nada de novo no fronte. Transforme comigo. Não se amedronte.
DIREITO

Tantos são os homens ilustres e iluminados que surgiram pelo mundo afora, que ao sentar para escrever uma crônica como essa e quando levanto a cabeça e deparo-me com esses distintos insignes ali formando um ângulo de quarenta e cinco graus, mais ou menos, da minha visão itinerante, sinto-me imbuído de uma responsabilidade gigantesca. Não é um fardo pesado, fastidioso e maçante perante a Língua e seus atalhos, exceções e regras. È muito mais do que isso e contrária à suposta abominação que eu mesmo levantei palavras atrás.
Uma exaltação à Língua em toda a sua majestade é sem dúvida prova de amor cabal aos seus falantes. Exaltar e exortar nos seus sentidos mais latínicos que a própria semântica poderá desconhecer. Ora, ora, se temos em nossa magnitude excelentes falantes do Português. Escribas da mais alta originalidade e decência intelectual. Conhecedores da lei em toda a sua pureza e ética. Franco e lhano. Eis aí que por (quase) nulidade de caráter, por um fio tênue que separa a ciência alheia das idéias próprias, surge o advogado do diabo. O advogado dos poderosos. Aquele que enfia o pé na lama por um punhado de real. E então, como dissera lá em cima, o advogado do diabo na conveniência que a generosidade lingüística oferece. Deflora, violenta e abusa dos atalhos, das exceções e das regras. Destroça as bases lexicais e semânticas para torturar os pensamentos e ocultar a verdade. Vide nas CPiS do congresso nacional, a difusão vulgar de um contra o outro e o outro contra o país inteiro. O advogado presidente de um partido, tradicional, por sinal, aparece acusado de envolvimento em mensalões. Dessa forma então, cênica e cínica, numa alusão pífia ao teatro do absurdo, com o olho roxo e tudo mais, discursa como o rei Cláudio da Dinamarca. Senti falta de Hamlet.
A cabeça de Ruy Barbosa, grande por ser ele excelência e gênio, um dia mandou-lhe esse pensamento “O saber de aparência crê e ostenta saber tudo. O saber de realidade, quanto mais real, mais desconfia, assim do que vai apreendendo, como do que elabora”. Provavelmente Rui não contava com a modernidade do século XXI, onde tudo é passível de concordância e não há alma nas pessoas. Um erro menor se paga com violência, cárcere privado, espancamento. Um erro do tamanho de uma nação é julgado e punido com uma simples renúncia de cargo. Não cabem gracejos lingüísticos no erro menor. Digam-se gracejos, o uso inteligente da Língua. No erro em que o país está envolvido, a fôrma já está pronta dentro do cidadão sem que ele saiba. As palavras acomodam-se numa mansidão serena e estável. E das duas, uma. Ou ele aceita o discurso doutrinador do réu, nas primeiras horas e sempre, inofensivo, ou rebela-se, mas dentro de alguns dias tudo é esquecido, deletado. Como Aldous Huxley em Admirável Mundo Novo.
Poucos são os homens ilustres e iluminados que não fizeram questão de ficar por aqui muito tempo. Castro Alves, Fernando Pessoa, Raul Seixas, Cazuza, Sócrates, Lima Barreto... Outros, tão geniais quanto esses, ficaram mais tempo, talvez por exigência divina, ou por serem guerreiros, soldados das palavras. Atiravam, e ainda há quem atire letras contra os inimigos, tiranos do povo. Constrangendo-os de forma inteligente e filosófica. Mas nossa gente infelizmente não destrói a fôrma e continuam mansos, serenos, adormecidos, violentos entre eles mesmos e insipientes...

Carlos Vilarinho 12/09/2006

quarta-feira, 2 de abril de 2008

O ENTERRO DE VADINHO

O ENTERRO DE VADINHO era um conto que virou um capítulo da novela "TRÊS TIROS NUMA HISTÓRIA DE AMOR". Estava decidido que, a novela que consta catorze capítulos, seria publicada no blog LEITORA CRÍTICA da amiga e também escritora Gerana Damulakis. No entanto surgiram outros planos para o texto e se der tudo certo estará a disposição dos leitores em breve, também ainda não está descartada a publicação em blog, neste ou naquele. O que você vai ler ainda é o conto. Para tornar-se capítulo mexi em algumas frases e parágrafos. De qualquer forma é bom que familiarizem-se com a história.


Jazigo perpétuo de Risoleta Arquimedes, jazigo perpétuo de Carlos Teodoro, jazigo perpétuo de Frank Menezes, jazigo perpétuo de Florentina Antonia de Souza, jazigo perpétuo de Domingos Oliveira, jazigo perpétuo de Roberto Flores, jazigo perpétuo de Bonifácio Zurich, jazigo perpétuo de Augusta Magalhães, jazigo perpétuo de Hilda Freire, jazigo perpétuo de Joventina do Carmo, jazigo perpétuo de Gildásio Rodrigues, jazigo perpétuo de Lucas de Oliveira, jazigo perpétuo de Jovina Vieira...
Quanta gente morta. Tomara que eu encontre Aquiles. Sempre tive curiosidade em saber como se sentiu ao morrer simplesmente por uma flechada no calcanhar. Coisa mais estúpida. Agora sei como aquele gato preto do Edgar, Plutão era o nome dele, se sentiu quando foi colocado dentro de um buraco na parede e rebocado com bloco e cimento. É uma sensação horrível estar aqui preso nessa caixa. Vou sair.
_Não, mãe! Não! É muito pavoroso aqui, tenho medo.
Era o filho de Joaninha, a secretária do lar. Lar da minha casa. Aquela gostava de mim, está com a expressão triste, a infeliz. Se ela soubesse que isso aqui é um alívio. Cheguei bem perto de Harmonia, tinha os olhos inchados. Confortava com franqueza minha sobrinha Amelinha. A única vez que vi olhos brilharem realmente foi quando levei Harmonia ao teatro. Ela escondida do marido e eu da minha mulher. Parecia que havia duas pedras de diamantes dentro dos olhos da morena caiana. Assistimos a “A Comédia dos Erros” de Shakespeare. Harmonia ria um riso puro e rechonchudo. Fiquei contente naquele dia.
Não sabia que morto pesava mais. Meu sobrinho Antero, irmão de Amelinha, não sabia se chorava ou se fazia força para segurar a alça do caixão. Foi isso que me tornei, uma alça de caixão.
_Oh, meu Deus! Oh, meu Deus! Levou, painho! Levou painho!
_Calma, senhora, calma.
Era uma afilhada que toda semana me pedia dinheiro. Por isso eu era painho. Amelinha detestava essa criatura. Queria saber como Dorian Gray ficou morrendo dentro daquele quadro. Outra coisa esquisita. Agora, no entanto sei como Brás Cubas se sentira. Não sou ele, o verdadeiro e original, mas acho que todo mundo que morre se sente assim, como Brás Cubas. Estou aqui em cima sendo carregado, vão me colocar numa gaveta horrorosa e, por enquanto, vou zanzar por aí. Vi de relance aquele que tem o segredo da vida e da morte. Já tinha sido avisado que ele viria. Era o velho Omolu, a-tô-tô Obaluayê. Sabia que viria só para me certificar de que tudo que desconfiava era verdade. Quando fiz quarenta anos, tive um insight na rua. Tive uma visão que mostrou a minha morte em vida. Não só uma, mas várias vezes. Diversas vezes fui um vivo morto e desconfiava que quando morresse estaria livre para viver realmente. Era isso que o Velho viria me avisar. Além dos procedimentos de praxe de um recém morto.
_Aqui pra nós, ele morreu de tristeza quando Harmonia terminou o caso com ele...
_Ele me contou que o chifrudo estava desconfiado e que deu uns safanões na criatura...
_Foi isso mesmo. Ela ficou com medo, mas ela está triste, vejam...
Eram Luís, Mariozinho e Joel Cara de Cachaça. Os únicos que sabiam de mim e Harmonia.
De qualquer forma teria que curtir meu enterro. Até então não saberia se haveria outro em qualquer parte do universo. Sabia que de agora em diante viveria com mais calma. Lembrei de uma vez que passei a freqüentar centros espíritas. Seria mais ou menos como eles falam mesmo, com a diferença de que o morto ouve o pensamento de todo mundo. Isso é que é bacana. Acho que vou continuar morto o resto de minha vida.
_Não, mãe, não! Não, mãe, não! É assustador aqui. É assustador. Seu Vadinho também tinha medo do escuro, mãe, seu Vadinho também tinha medo!
O filho de Joaninha era um bom garoto. Contava histórias para ele dormir, às vezes escabrosas que eu mesmo ficava com medo mais tarde. Engraçado, ele me disse uma vez que os mortos ouvem mais do que os vivos. Como ele sabia disso? Uma vez numa palestra ouvi uma dessas Facilitadoras dizer que a criança é mais perspicaz e sensível do que qualquer adulto. Isso eu já sabia, contudo não tinha certeza, e fiquei em dúvida durante a tal palestra sobre a transparência.
_Mãe, enterro é um casamento ao contrário, não é?
Realmente. Nos dois há séquito. Nos dois há choro. Nos dois há extremos. Nos dois há contradições. Nos dois há franqueza e falsidade. Harmonia, por exemplo, com aquele brucutu. Destoava algo tão nítido e claro que não sei como ele não percebia. Ou percebia e fazia que não percebia. Mas ela própria ia e vinha com ele. Ou sobre ele. Trânsito confuso esse na cabeça de uma mulher. E só agora depois de morto, sem direito a fala, só a ouvidos, entendia então o que significava a transparência da criança naquela pergunta inocente do filho de Joaninha.
_Eu prefiro festa de natal a enterro ou casamento, mãe.
Ou na afirmação judiciosa da criança, ao passo que, naquele momento, tive a impressão de que, ele o pequenino, me vira, ou me enxergara, quando estava ao lado de Amelinha e Harmonia tentando confortá-las. Olhei para o fundo e vi o Velho. Quando retornei as vistas, o filho de Joaninha estava com os olhos fixos em minha direção. O Velho balançou a cabeça como, ao mesmo tempo, me certificasse e aprovasse a visão do pequeno. Ele, o Velho, estava me esperando para me levar não sei para onde. De vez em quando ouvia umas vozes de velho na minha cabeça, mas achava que eu estava ficando maluco com tanta maconha que fumava. Era ele, o anjo da guarda, me avisando dos perigos. Ele vinha e colocava um zumbido no meu ouvido. Olhei novamente o filho de Joaninha e ele estava com as mãos espalmadas rindo e olhando para o céu.
Ouvi umas palavras de Harmonia, as últimas antes de partir.
_Uma vez Vadinho recitou um poema para mim tão lindo, disse-me que era para eu não esquecer quando ele morresse... E agora esqueci.
Harmonia chorava saudosa. Mas num sopro de vida restante, enviei o poema que não era meu, mas de uma grande amiga.
_Acho que me lembro Amelinha, não sei como, mas lembrei pelo menos de uma parte, acho que é assim:
O que restará agora?
Na verdade o que restará?
Naquele dia parti enfim
nem olhar, olhei sem visão
Não levei lembranças sem fim
sem validade , sem mala
Como quem, deixando a sala
deixa o ontem, tudo, escombros
Tudo deixado atrás dos ombros,
restou o sonho essa viagem
para a qual não achei passagem.


Carlos Vilarinho 19/12/07

Poema final de Gerana Damulakis “DEPOIS DO INÍCIO”