domingo, 22 de junho de 2008

VINTE E CINCO CARNEIROS de Heitor Brasileiro Filho-final

Vítor, contendo o sorriso maroto, o aguardava na cabina com o recibo de vinte e cinco carneiros na mão. O guarda Macário, em cólera, tremia ao segurar o papel. Brioso saltou sobre a carroceria espantando os carneiros e usou todos os dedos ao refazer a conferência.

- Vinte e cinco! Sentenciou o guarda Macário para Brioso.
- Oxén... Aí, tá certo! Vinte e cinco. Confirmou Brioso, minutos depois.

Macário tem os olhos injetados quando se volta para Vítor.

- O senhor num parou onte de noite...
- Não quis despertar o sono de vossa excelência. Desdenhara Vítor.
- Da próxima vez atiro no cachaço, só pra ver a queda.

Os olhos se cruzam demoradamente. Até que o olhar do guarda Macário pousa sobre a carapinha de Tião. Tião finge que não é com ele.
A corrente afrouxa, desce devagar até ficar completamente mole. Os pneus esmagam os gomos da corrente e sobre ela paira uma insolente nuvem de poeira.
Entre o guarda Macário e o guarda Lucena ainda não se dissipou de todo uma nuvem de ressentimento. Brioso sabia que mais cedo ou mais tarde haveria de ter uma reparação. Macário, humilhado, custava acreditar que eram apenas vinte e cinco carneiros. Os curiosos se afastaram lentamente, em meio ao burburinho. Estavam desapontados, esperavam algo espetacular. Algo forte. Algo que os libertassem do tédio naquela morna manhã de inverno. Macário, ainda relutante, esperava o momento certo, ou menos vexatório, para pedir desculpas ao guarda Lucena. Até que explodiu, inconformado.

- Vôte! Invurtô? V-i-n-t-e e c-i-n-c-o carneiros!
Lucena, resoluto, inquiriu.
- E dadonde tá usotro, no fi-o-fó de vossa progenitora?

O guarda Macário espoletava uma resposta de calibre quando foi interrompido por Zezito da Rural. Esbaforido, Zezito chegou da Palmeirinha, um distrito próximo dali. Tinha pressa de levar uma paciente picada de Jararacuçu, cobra de letal veneno, para o Hospital Regional Vincentina Goulart. Zezito da Rural, além de seus préstimos como hábil chauffer de praça, também era conhecido pela língua viperina. E foi logo interrompendo.

- É de carnero, que vocês tão falano? Agora mermo eu vi uns carnero passano de canoa lá na Sete Porta...

O guarda Macário não esperou o final do relato. Olhou com um ódio mortal para a indefesa bicicleta e marcou-a para sempre com brilho e a fúria do seu sapato vulcabras.

Heitor Brasileiro Filho

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