segunda-feira, 30 de junho de 2008

O MICROFONE PRATEADO

Andrade, Adílio e Zico. Tita, Nunes e Lico.
Havia a princípio uma aliteração no meio-campo orquestrado. Em seguida uma rima sinuosa. Aquelas seis palavras provocavam ao mesmo tempo pavor e prazer. Pavor para cruz de malta, ou para a estrela solitária. Pavor também para o pó-de-arroz fantasmagórico que no início do século tentava maquiar a virtude negra de lidar com o balão de couro. Estava aos poucos me acomodando no Rio de Janeiro. Domingo entraria pela primeira vez no templo gigante do futebol, o estádio Mário Filho, o Maracanã. Migrava do nordeste para ser jornalista e cobrir a copa do mundo. Para ser jornalista e ver de perto, lá dentro dos gramados, o Flamengo ser campeão novamente. Sentir aquela alegria Alexandrina dentro do futebol. Cheia de ritmo, verso e prosa, como Armando Nogueira me fazia ler todos os dias na resenha da gazeta. Contudo todo meu encantamento por pouco não se esvaece por causa da ousadia azurra que arrancou lágrimas de sangue do meu sonho adolescente de ser tetra-campeão do mundo. O estádio Sarriá em Sevilha sucumbiu a Paolo Rossi, na época, o mafioso do calcio. Naquele dia me senti um troiano sendo invadido por um cavalo que eu subestimei, julguei sem pejo ou acanhamento, muito senhor de mim, ou do meu escrete canarinho...
_Arriverdérci, Brasile!
Depois daquele dia decidi cobrir esportes náuticos quando jornalista. A tragédia romana que sobreveio na Espanha em oitenta e dois provocou ecos ensurdecedores em mim. Foi uma decepção. Não quis mais jogar bola nos becos do Vidigal, nem saber quanto estava o Fla-Flu de oitenta e quatro, vencido pelo Pó- de-arroz de Nelson Rodrigues e Mário Lago.
Com o passar do tempo, privilegiado em olhar as formas femininas que desfilavam no Arpoador, tentei ser surfista. Comprei prancha de duas quilhas, então novidade na época, parafina e elastique. Mas Yemanjá zombava de mim, derrubava-me e todos os dias saía da água salgado por fora e por dentro. Um dia ao voltar para casa, o Rubão, zagueiro do time do Vidigal, o mais velho da turma, gritou meu nome.
_Roberto! Ô Roberto! Vem cá, rapaz.
_O que houve, Rubão?
_O que houve? Ora! Nunca mais apareceu para a pelada.
_Não quero mais saber de futebol... Serei jornalista de esportes náuticos...
_E por isso toma caldos todos os dias... Vai desidratar, moleque! Deixa de bobagem rapaz! Há tempos está assim por que perdeu uma copa! Imagine em cinqüenta, aqui, em baixo dos nossos narizes, tomar dois a um de virada...
_Também! Ouvi falar que o goleiro era do Vasco!
_Meu pai me disse que era sim, mas e daí? Daqui uns dias a gente ganha nos pênaltis ou com gol de mão... Vai servir para você?
_Lógico eu quero é ganhar a copa...
E Rubão aos poucos me trouxe novamente para a lateral direita do time do Vidigal. Queria ser igual a Leandro, cruzar na cabeça. E sair para abraçar o centroavante.
Então lá estava eu, cobrindo não Zico ou Falcão, mas Romário e Bebeto. Jorginho cruzando e Branco fazendo gol espírita. Na final eu estava atrás do gol dos pênaltis. Por instantes a imagem de Paolo Rossi veio em minha mente. Vi meu rosto banhado de lágrimas. Mas desta vez eu tinha que fazer algo. E fiz. Notei que havia algo errado quando os jogadores iam bater o pênalti. Primeiro foi com o Romário, o baixinho colocou as mãos na testa como se algo o incomodasse, e quase que ele perde. Márcio Santos jogou por cima, ali eu tremi. Depois foi Baresi, Taffarel pegou com relativa facilidade. Pois eu descobri o que havia de errado na hora da cobrança do pênalty e fomos tetra-campeões graças a mim. Quando Roberto Baggio ajeitou a bola, fiquei atrás do Taffarel ao lado direito da trave. Nesse momento calculei o raio solar e ergui meu microfone prateado, o lado mais brilhante para o sol. Deixei brilhar na marca do pênalti. Quando o carcamano correu fiz um movimento brusco com o braço, o brilho que refletia do meu microfone atingiu diretamente a altura do olho. E o bambino chutou nas nuvens. Ajoelhei sem acreditar. Éramos tetra-campeões do mundo com a minha vingança. Chorei muito de felicidade e ria da cara de Baggio que me olhava incrédulo...

Carlos Vilarinho 13/05/2006

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