segunda-feira, 29 de junho de 2009

CRIME OCULTO

ÚLTIMO APERITIVO

Todos queriam que eu me tornasse, ou que tivesse consciência de que era um homem-penintente. Ora, mas que diabos! Eu estava estimando-me a mim próprio. Vivendo as emoções que um homem teria que viver até a sua morte. Será que depois de tudo que fiz, teria que viver sob clausura familiar? É muito cruel para um ser imaginativo e cheios de emoções e sensações que afloravam em mim por instantes e em cada momento. Soube dos comentários, das chacotas e desdéns. O vagabundo do Bartolomeu participou. Tudo isso a velha dos jornais me disse depois. Muitas vezes é assim que nasce um criminoso. Li uma vez no jornal um crime passional que o camarada não suportava mais a mulher. Mas foi uma coisa estranha, pois a mulher dava-lhe provas do seu amor todos os dias, mesmo sabendo das amantes que o indivíduo mantinha na rua. Pois ele não aguentou o amor. Foi sufocado pela onda da benquerença. Envenenou o leite que a mulher bebia todos os dias antes de dormir. Pôs o veneno e saiu, quando voltou ela estava morta. Fez tudo para parecer suicídio, mas a perícia descobriu tudo. Ironia da vida, o indivíduo é amado pela mulher que faz vistas grossas para as suas amantes. Dá-lhe tudo de bom e ele a mata por não admitir o amor sincero, a preocupação, a sinceridade e até cumplicidade nas falhas. Falha dele, do assassino. No entanto esse caso ficou nos anais do Direito pelo argumento que o advogado de defesa usou. Disse o bacharel que seu cliente era simplesmente um homem avesso às emoções. Falou ainda durante sua oratória que antes do casamento, o homem tinha avisado à mulher que ela não desse provas de amor nem shows de ciúmes apaixonados. Disse-lhe o marido que para ele bastava a cordialidade e franqueza que vem do coração, ele não era desses que precisavam de tanta generosidade feminina. E agora o desfecho, o homem foi absolvido e considerado pelo júri como um bom assassino. Ora, se existe um bom assassino, eu seria um assassino santo, ou um santo assassino, se matasse todos os fofoqueiros de plantão num bar...


CRIME OCULTO, alguem tem ideia do que seja?

sábado, 27 de junho de 2009

TRÊS TIROS NUMA HISTÓRIA DE AMOR

_Lá pelo começo do século XIX, houve muitas rebeliões de escravos querendo a abolição, a mais importante delas foi em 1835, uma semana depois da festa do Bonfim (...) sim, Joãozinho, já existia festa do Bonfim, para ser preciso, Joaninha, era festa de Nossa Senhora da Guia, com a vigília sendo feita na igreja do Bonfim mesmo, só que nada deu certo...
_Por que, seu Vadinho?
_O plano, Joaninha, consistia em provocar balbúrdia pela cidade, espalhar incêndios e confundir a polícia, daí iam desarmá-los, havia alguns senhores da cidade que iam se juntar aos escravos e provavelmente a abolição da escravatura dar-se-ia primeiramente aqui na Bahia, mas a natureza puramente humana de dizer não às mudanças, ao novo, fez com que uma ex-escrava fizesse a denúncia... A tal mulher também nagô, mas emancipada, ouvira dois escravos conversando na língua deles sobre o que haveria de ocorrer, que chegaria mais gente de Santo Amaro e seria uma rebelião séria, com chances de dar tudo certo, aí a criatura deu com a língua nos dentes e tudo foi desfeito, mais ou menos isso, Joaninha...
_Nossa, seu Vadinho! Que coisa! Um negro entregar o outro!
_Pois é. Essa é uma prática infeliz e puramente humana, como já havia dito... E isso hoje está até regulamentado, tem mais, imagine, havia judeu que entregava outro judeu a Hitler, imagine... Existe um partido político que se diz de esquerda, ou de direita agora, que a prática retrograda e mesquinha do entreguismo e da vigilância constante no outro, stalinismo tupiniquim disfarçado de cortesia hipócrita, indignidade dissimulada para alcançar o poder, agindo nos bastidores e até que ganhou uma secretaria importante na prefeitura, mas isso é outra coisa... Então, se você for eleita a rainha do Ébano, lá no Malê de Balê já terá algo a falar sobre a revolta dos Malês.
_O senhor sabe é de coisa, seu Vadinho...

Quando fui eleita rainha do carnaval, há uns cinco anos, se não me engano, seu Vadinho ficou orgulhoso de mim. Disse que o que havia falado na entrevista da televisão muito pouca gente sabia. Vi um certo desejo nos olhos dele. Nunca havia reparado no charme oculto que seu Vadinho carregava naturalmente. Achava que o nariz não deixava, agora acho que o nariz é o início do tom charmoso que se distribui em todo ele. Talvez ele tenha pensado em mim, sim. Mas quando soube que eu estava grávida de Joãozinho, desistiu. Eu também era desconfiada e medrosa. Tinha medo de Margarete. Ela propôs que eu vigiasse seu Vadinho. Queria saber se tinha outra mulher. Comecei a vigiá-lo, mas logo em seguida desisti. Muito pela arrogância dela. Seu Vadinho era um homem culto, inteligente e bem-humorado e depois daquela história de entreguismo de negro para negro, fiquei com vergonha de mim mesma. Fui fiel a ele. Mesmo assim Margarete tentava me persuadir, mas não cedi às chantagens soberbas que ela fazia para me intimidar. Amelinha desconfiou e perguntou bem sutilmente, mas com uma ponta de malícia o que significava os dois encontros meu e de Margarete que ela tinha visto. Fiquei sem graça, inventei uma história boba e desconversei. Sei que não saciei, nem a convenci. Ela só ficou mais tranqüila, quando presenciou minha conversa com seu Vadinho a respeito dos assédios de Margarete.

Em mais de uma vez fiquei encantada com seu Vadinho. Mas houve um episódio que o meu enlevo por ele cresceu como lume que invade o breu da noite. E foi por essas palavras que me senti ninada por seu Vadinho. Apesar de a história ser contada por ele para Joãozinho. Contudo ouvi e percebi o real significado de a magia da vida como ele próprio repetia sempre. Foi uma história que contou para meu filho dormir. Uma história da noite. Acabamos todos pegando no sono. Até Amelinha que ouvia distraída o som da voz do tio a revelar a magia que há entre as noites. Ele contou que o mundo é noite, o seu estado próprio e peculiar é a escuridão. Entretanto não é para se ter medo do breu natural, pois o grande herói da terra venceu o seu inimigo com os truques da lua. O inimigo ao pensar que o teria nas mãos, que o derrotaria e humilharia o herói, por causa da noite e seus recônditos escuros, foi surpreendido pela lua cheia e pelo cometa que passara então na madrugada e magicamente clareou o terreno da luta final. O herói que mesmo assim já havia apurado as vistas para o embate com o inimigo da terra, foi beneficiado pela luz e claridade das estrelas, da lua cheia e do cometa. E montado em seu cavalo alado enfiou a lança no coração do dragão da escuridão. A lua cheia tão orgulhosa e feliz por ter ajudado o herói terreno brilhou mais intensamente, chamou o sol e com ele veio Aurora e seus dedos cor de rosa, onde a claridade do astro rei mostra aos homens todos os dias os detalhes da vida. Seu Vadinho saiu de mansinho e deixou todos dormindo. Acho que despertei levemente e o vi carregando Amelinha para a cama.


Trecho de TRÊS TIROS NUMA HISTÓRIA DE AMOR novela de minha autoria prontinha para ser publicada

quinta-feira, 25 de junho de 2009

SETE PORTAS

Trecho 1

A atmosfera de safadeza insinuante própria da cidade da Bahia, a sabotagem, o desdém diante da desgraça operante em si mesmo e em cada um deles, somados a vontade incorruptível de baianos sérios e metidos a sério sem ser pôrra nenhuma. Sindicalistas que discutiam política ordinária, a política baiana medíocre que eles mesmos proporcionavam e a indolência disfarçada de crime insipiente contornavam Salvador. E no meio do olho desse vulcão em ebulição estava a Sete Portas. Coleirinha, canário da terra, canário belga e curió de até cem mil, também faziam parte da feira.

Trecho 2

O delegado Carlos Antonio era um homem sério e infeliz. Casado com uma mulher que não amava mais, que não lhe dera filhos e que lhe atazanava a mente com problemas fúteis. Gostava da prostituta Roberta que o jornalista Marco lhe apresentou, no entanto não se atrevia a tocar-lhe nem um fio de cabelo. Sempre ia ao puteiro, quando a puta o via, largava com quem estivesse para lhe dar atenção e conversar. Só conversar. O delegado tentava persuadir-lhe a mente impura a largar o sexo profissional. Ela ouvia, consentia, lamentava, condoia-se e às vezes até chorava. Mas não deixava de ser santa puta.

Trecho 3

Deu-se então uma perseguição frenética a partir de dentro da feira da Sete Portas. O indivíduo era branco e forte, feições físicas muito parecidas com o agente Augusto. O delegado, mesmo gordinho, era ágil e Marco Deville lépido como um ponta-direita, mas o facínora, devia ser ele realmente, corria como um guepardo. Guepardo entre elefantes. Derrubando bancas de frutas, atropelando os fregueses e correndo por entre os carros, os três seguiram em direção à Djalma Dutra, como que vai para o Dique do Tororó. O perverso com quase meio quilômetro de frente. O agente Augusto ao ouvir os rumores que instantaneamente tomara feira disparou saindo pela entrada principal por cima dos caranguejos e, sem saber, correu em outra direção. Foi para o lado do Aquidabã. Os gritos e algaravia dos feirantes e das pessoas no local o colocaram na direção certa, mas era tarde. O desgraçado apunhalador de bundas e cus subiu a escadaria que sai na Bela Vista do Cabral, travessa Barão de Sturdart, em Nazaré de quatro em quatro degraus. Nenhum dos três o alcançaria.
O delegado já com os bofes a sair pelos pulmões, o jornalista de caruara nas pernas de tanto whyski e prostituta que fazia uso e o agente Augusto, o único que daria testa, estava atrasado.


OS TRECHOS NÃO ESTÃO NA ORDEM.


O TEXTO TÁ SAINDO... AGUARDEM!

sábado, 20 de junho de 2009

SETE PORTAS (?)

Não se sabe de onde, nem quando aquelas atrocidades começaram a aparecer. Muito menos quem as fazia. Sabe-se, no entanto que em alguns bairros a crueldade era mais intensa. Ali em Brotas, por exemplo, da altura do Acupe, na sinaleira, até a Sete Portas, passando por Luiz Anselmo e Vila Laura, muitas vítimas compareceram à delegacia para prestar queixa. Ficando, contudo constrangidas em mostrar o ferimento. Diz-se também que houvera queixas na Calçada, nos Mares, assim como na Avenida Centenário e na Federação. Mas nada de concreto, muito boato do povo. Talvez houvesse casos dessa natureza, nesses lugares realmente. De fato, ouviam-se firmezas a respeito do caso, havendo até quem garantisse estar in loco na hora do ato. Outros, porém esquivavam e desconversavam descrentes. Apareceu até quem tivesse visto o facínora, mas, com medo, retraíra-se e reservou-se a socorrer a vítima. Muitos boatos davam conta que o perverso morava ou andava na Sete Portas.

Um dia de sábado pela manhã bem cedo, lá na Baixa dos Sapateiros, vinha um cidadão gordo todo de branco, correndo esfolegado e terrivelmente assustado. Passou pelo Aquidabã, já correndo com dificuldade, onde inclusive derrubou um ambulante e sua mercadoria. E rumava desesperado em direção à Sete Portas. Mas o esforço veloz a que se submeteu limou o resto de condicionamento que ainda havia nos pulmões e nas pernas e ao pé da ladeira do Funil o gordo caiu estatelado na rua, soltando seu suspiro derradeiro. Muitos, a maioria farristas da noite de sexta-feira, assistiram a cena sorvendo cerveja e comendo mocotó com pirão. Contudo poucos ou quase nenhum percebeu em um zoom de ótica que logo atrás vinha um outro homem também correndo e que parou assim que viu o gordo deitar por terra todo o seu farto tecido adiposo. Era um homem branco-avermelhado, com poucos cabelos sem ser necessariamente careca e com uma cara carrancuda de bad boy. Atravessou a rua e ficou observando na esquina de uma ladeira contrária a do Funil, rua Prado Valadares. Espreitou minuciosamente todo o desenrolar da cena durante uns quinze minutos, provavelmente para certificar-se do óbito grassento. Ecoou então às seis da manhã na Sete Portas uma gargalhada diabólica. O gordo defunto estava com um punhal enterrado no ânus. Segundo o laudo médico, que depois todos tomaram ciência, o punhal rasgara o reto e boa parte do intestino, inclusive a aorta abdominal.Uma hemorragia interna foi a causa mortis. Dize-se que após a retirada do punhal o sangue jorrou junto com as tripas e o sarapatel que havia comido minutos antes de levar a punhalada no cu.


POIS É... Esse texto aí deverá se chamar "SETE PORTAS", nem eu sei o que vai acontecer, ainda estou escrevendo... Espere também.

quarta-feira, 17 de junho de 2009

TRECHOS DE CRIME OCULTO NOVELA QUE ACABEI DE ESCREVER...

Comecei a ter ligeira consciência das coisas alguns dias antes do crime realizar-se de fato. E definitivamente, logo em seguida ao coma de três dias, depois da morte súbita do indivíduo. Diga-se que a criatura morria aos poucos, cada dia levavam um pedaço que lhe pertencia. Acordei disposto a fazer algo novo, diferente de que fazia todo domingo no bairro sombrio e enfadonho que moro. Costumava ficar no posto de gasolina escorado numa bomba de aditivos para automóveis desativada e beber latinhas de cerveja. Achava ridículo o que falavam nos noticiários a respeito de vender, ou não vender bebida alcoólicas naqueles lugares. Falsa moral, ninguém estava se importando com nada, nem com outro alguém mesmo. Querem é copiar tudo dos Estados Unidos, então que se venda bebidas à vontade para quem quiser beber, venda-se armas em cada esquina, ora essa! Vi a moça subir os degraus onde mora sua irmã. Essa moça assim que chegou, lançou para mim um olhar fatal de cio insaciável, aquilo estremeceu dentro de mim, havia algo no ar, em suspense. Mesmo assim lembrei minha mãe, sempre que alguma mulher me olhava faminta de mim, ela dizia “não perca tempo com elas, trace-as, coloquei um homem no mundo para dar conta de mulheres”.

OUTRO TRECHO EM OUTRO CAPÍTULO

E não foi só isso, entre os quatorze, quinze anos currávamos bananeiras no fundo do quintal de minha casa. Tinha sempre na lembrança, durante esses momentos, a filha da faxineira. Juntava com outro amigo, o Valdomiro, e fazíamos um buraco na altura da nossa genitália e nos introduzíamos lá, como é visguento ficava parecendo uma vagina de verdade reagindo ao meu teor amoroso-sexual. Até que Serva Maria, a negra que tomava conta da casa, viu. Delatou-nos e depois se arrependeu quando viu as lapadas de cinturão que meu pai deixou em mim.

OUTRO TRECHO EM OUTRO CAPÍTULO

Naquele dia eu estava aborrecido. A mulher tinha cobrado mais atenção de minha parte, como se eu tivesse que procurá-la para amar novamente. Ora, foram trinta e cinco anos juntos, tivemos duas filhas já criadas e casadas. Cada uma com seu macho, eles que cuidassem delas de agora em diante. A mulher rezava ao deitar, rezava para pegar no sono, rezava para acordar, rezava para levantar... Diabo de tanta reza! Já não agüentava mais, então lhe perguntei o que ela fazia de fato na igreja se gastava toda a reza dentro de casa. Ela pensou que eu estivesse ciumando, ora, veja! Sorriu e dissimulou sensualidade pífia.
¬“Ridícula!”
Aquilo me aporrinhou tanto que saí de casa tremendo de desgosto e nauseabundo. Além de ter tomado duas cápsulas de Rivotril. Louco de dispepsia, ouvi o grito da mulher ao sair.
“Estás sob a influência de Satanás, velho.”
E mais, em tom bíblico:
“Antes da ruína, vem o orgulho... Antes da queda vem a presunção”
Assim cheguei à rua principal de Brotas, ofegante e enojado pelo aborrecimento causado por Regina Astrid que um dia foi uma bela mulher e levou-me para o altar. A moça com olhar de cio passou por mim e não pôs as vistas em mim como de costume...


...espere, em breve CRIME OCULTO, minha novelinha impressa para você...

FILME

Olha só o que achei. Um filme baseado em meu conto "AS SETE FACES DE SEVERINA CAOLHA". Um trabalho de Adson e Álvaro, não os conheço mas são de Feira de Santana-Ba. Gostei ficou legal. Deem uma olhada.

http://www.youtube.com/watch?v=JV7L2YCzh4k

sexta-feira, 5 de junho de 2009

PROLEGÔMENOS ACERCA DO AMOR- de Adriano Portela

Quadrilha
João amava Teresa que amava Raimundo
que amava Maria que amava Joaquim que amava Lili
que não amava ninguém.
João foi para o Estados Unidos, Teresa para o convento,
Raimundo morreu de desastre, Maria ficou para tia,
Joaquim suicidou-se e Lili casou com J. Pinto Fernandes
que não tinha entrado na história.
Carlos Drumond de Andrade



Aproxima-se o famoso Dia dos Namorados. Aproveito para falar aos casais de namorados, mas não aqueles perdidamente apaixonados, dirijo-me, antes, àqueles outros que não são tão apaixonados assim. Aqueles que se gostam muito, e que se tratam super-bem, mas que têm a consciência de que um não é para o outro a maior referência afetiva, o chamado grande amor da vida. É, são muitos os casais assim! E é também para estes que é feito o Dia dos Namorados!
Mora na cabeça de cada pessoa o antigo ideal de casar com a pessoa por quem ficar perdidamente apaixonado. O Romantismo passou, mas legou-nos esse ideal. Contudo, a realidade não é composta preponderantemente por casais amantíssimos – muitos não casaram com aqueles que desejavam, casaram sim com aqueles que a vida os providenciou, sem que eles esperassem. Muitos homens pensaram de se casar com aquela mulher capaz de cuidá-los e pela qual fariam tudo na vida. Muitas mulheres desejaram se casar com aquele homem ao qual elas escolheram para se entregarem intimamente, e o qual elas queriam que fosse o único em de suas vidas. Entretanto, outra foi a realidade! Quantos não vivenciaram a fantasia do amor imaginado? Quantos não se frustraram com a realidade que encontraram no meio da vida?
Sói acontecer de vermo-nos um dia, não com a pessoa que mais amamos na vida, mas sim com outra inesperada, porém tão bem vinda, porque impressionantemente capaz de nos fazer felizes... e como encontramos pessoas assim! Quadrilha, de Drumond, faz-me pensar nos casais de namorados assim, feito dos desencontros amorosos, nesse balaio de gato que é a nossa vida. Isto porque as coisas não são todas arrumadinhas: João ama Teresa, que ama Raimundo, que ama Maria, que ama Joaquim, que ama Lili, que a ninguém ama. Desejos cruzados, vidas desencontradas: João vai embora, Teresa entra pro convento – Raimundo morreu de desastre. Maria ficou pra titia, e Joaquim suicidou. Lili, essa que não amava ninguém, casou com o J. Pinto Fernandes, um inusitado!
No poema-história de Drumond, os amores não correspondidos provocam a falta de acerto na vida. Está tudo fora do lugar: Raimundo morre, Teresa entra pro convento, e João vai embora; Maria fica pra titia, suicida-se Joaquim. E cada um amou quem a outrem amou! Encontramos pessoas assim que, desencontradas, vivem perdidas por toda a vida. Mas não é delas que estamos falando aqui, iniciei dizendo que falaria aos casais que não se entendem perdidamente apaixonados, porque um ou outro não está com quem mais ama, ou não é aquele a quem o outro mais ama na vida.
A vida é assim, um desencontro sem fim! Seja por uma falha na missão do cupido, seja por uma peça pregada pelo destino, vemo-nos nos braços de outrem que não a pessoa imaginada. Algumas vezes é porque literalmente não dava certo ficarmos com quem pensávamos ser a pessoa da nossa vida, não obstante deveras muito a amássemos. Tantas brigas, tantos desencontros, tanta humilhação nossa, que ficamos sentidos, mas preferimos mudar de vida. Isso acontece quando se dá aquilo que fala um poema supostamente atribuído a Mário Quintana: [Com o tempo, você] “Percebe também que aquele alguém que você ama (ou acha que ama) e que não quer nada com você, definitivamente não é o alguém da sua vida. Você aprende a gostar de você, a cuidar de você e, principalmente, a gostar de quem também gosta de você”.
Talvez tenha sido isso que aconteceu com J. Pinto Fernandes. Não sabemos a sua história – ele não estava na lista da Quadrilha – no entanto, podemos supor que ele tenha se cansado de quem ele amava, e que tenha desistido de tentar insistir numa relação, só por consideração ao amor profundamente sentido. J. Pinto Fernandes, e seu casamento com Lili, é a metáfora destes casais a quem quero homenagear neste próximo Dia dos Namorados. No mesmo suposto texto de Quintana, lemos: “No final das contas, você vai achar não quem você estava procurando, mas quem estava procurando por você!” É, Lili por certo procurava alguém, já que não amava ninguém, e foi justamente por ela que J. Pinto foi encontrado.
Pode ser que, mesmo depois de casado, recordando-se de quem deixara para trás, ele cantasse à guisa de Roberto Carlos: Você foi!/O maior dos meus casos/De todos os abraços/O que eu nunca esqueci. E não terá existido contradição nisto, caso tenha ocorrido: simplesmente não podemos extirpar de nós as lembranças de quem mais nos marcou. Não obstante isso, ele estava então com Lili, e não por falta de opção, mas por decisão. Loucamente J. Pinto teria prescindido do seu afeto, em nome de viver uma verdadeira felicidade. Realmente viver sem amor pode ser uma vida ignóbil, mas um dia talvez cheguemos à conclusão de que também viver sob a égide do seu ideal pode ser uma bobagem, uma vez que somos capazes de encontrar felicidade para além de quem nos referenciou o amor. E era isso, pobrezinho, pobrezinho, que eu queria dizer aos casais: não se espantem se vocês um dia se derem conta de que vocês amaram (ou ainda amam) mais uma outra pessoa que não esta de agora, presente em suas vidas. Bem-aventurados os que se encontram em situação diferente, mas parabéns para vocês outros porque neste dia vocês terão alcançado a fileira daqueles que tiveram a coragem de prescindir do amor idealizado, para serem concretamente felizes, decidindo-se por um outro amor.
A todos vocês, um feliz Dia dos Namorados!

Adriano Portela é escritor e padre, grande amigo.