sexta-feira, 5 de junho de 2009

PROLEGÔMENOS ACERCA DO AMOR- de Adriano Portela

Quadrilha
João amava Teresa que amava Raimundo
que amava Maria que amava Joaquim que amava Lili
que não amava ninguém.
João foi para o Estados Unidos, Teresa para o convento,
Raimundo morreu de desastre, Maria ficou para tia,
Joaquim suicidou-se e Lili casou com J. Pinto Fernandes
que não tinha entrado na história.
Carlos Drumond de Andrade



Aproxima-se o famoso Dia dos Namorados. Aproveito para falar aos casais de namorados, mas não aqueles perdidamente apaixonados, dirijo-me, antes, àqueles outros que não são tão apaixonados assim. Aqueles que se gostam muito, e que se tratam super-bem, mas que têm a consciência de que um não é para o outro a maior referência afetiva, o chamado grande amor da vida. É, são muitos os casais assim! E é também para estes que é feito o Dia dos Namorados!
Mora na cabeça de cada pessoa o antigo ideal de casar com a pessoa por quem ficar perdidamente apaixonado. O Romantismo passou, mas legou-nos esse ideal. Contudo, a realidade não é composta preponderantemente por casais amantíssimos – muitos não casaram com aqueles que desejavam, casaram sim com aqueles que a vida os providenciou, sem que eles esperassem. Muitos homens pensaram de se casar com aquela mulher capaz de cuidá-los e pela qual fariam tudo na vida. Muitas mulheres desejaram se casar com aquele homem ao qual elas escolheram para se entregarem intimamente, e o qual elas queriam que fosse o único em de suas vidas. Entretanto, outra foi a realidade! Quantos não vivenciaram a fantasia do amor imaginado? Quantos não se frustraram com a realidade que encontraram no meio da vida?
Sói acontecer de vermo-nos um dia, não com a pessoa que mais amamos na vida, mas sim com outra inesperada, porém tão bem vinda, porque impressionantemente capaz de nos fazer felizes... e como encontramos pessoas assim! Quadrilha, de Drumond, faz-me pensar nos casais de namorados assim, feito dos desencontros amorosos, nesse balaio de gato que é a nossa vida. Isto porque as coisas não são todas arrumadinhas: João ama Teresa, que ama Raimundo, que ama Maria, que ama Joaquim, que ama Lili, que a ninguém ama. Desejos cruzados, vidas desencontradas: João vai embora, Teresa entra pro convento – Raimundo morreu de desastre. Maria ficou pra titia, e Joaquim suicidou. Lili, essa que não amava ninguém, casou com o J. Pinto Fernandes, um inusitado!
No poema-história de Drumond, os amores não correspondidos provocam a falta de acerto na vida. Está tudo fora do lugar: Raimundo morre, Teresa entra pro convento, e João vai embora; Maria fica pra titia, suicida-se Joaquim. E cada um amou quem a outrem amou! Encontramos pessoas assim que, desencontradas, vivem perdidas por toda a vida. Mas não é delas que estamos falando aqui, iniciei dizendo que falaria aos casais que não se entendem perdidamente apaixonados, porque um ou outro não está com quem mais ama, ou não é aquele a quem o outro mais ama na vida.
A vida é assim, um desencontro sem fim! Seja por uma falha na missão do cupido, seja por uma peça pregada pelo destino, vemo-nos nos braços de outrem que não a pessoa imaginada. Algumas vezes é porque literalmente não dava certo ficarmos com quem pensávamos ser a pessoa da nossa vida, não obstante deveras muito a amássemos. Tantas brigas, tantos desencontros, tanta humilhação nossa, que ficamos sentidos, mas preferimos mudar de vida. Isso acontece quando se dá aquilo que fala um poema supostamente atribuído a Mário Quintana: [Com o tempo, você] “Percebe também que aquele alguém que você ama (ou acha que ama) e que não quer nada com você, definitivamente não é o alguém da sua vida. Você aprende a gostar de você, a cuidar de você e, principalmente, a gostar de quem também gosta de você”.
Talvez tenha sido isso que aconteceu com J. Pinto Fernandes. Não sabemos a sua história – ele não estava na lista da Quadrilha – no entanto, podemos supor que ele tenha se cansado de quem ele amava, e que tenha desistido de tentar insistir numa relação, só por consideração ao amor profundamente sentido. J. Pinto Fernandes, e seu casamento com Lili, é a metáfora destes casais a quem quero homenagear neste próximo Dia dos Namorados. No mesmo suposto texto de Quintana, lemos: “No final das contas, você vai achar não quem você estava procurando, mas quem estava procurando por você!” É, Lili por certo procurava alguém, já que não amava ninguém, e foi justamente por ela que J. Pinto foi encontrado.
Pode ser que, mesmo depois de casado, recordando-se de quem deixara para trás, ele cantasse à guisa de Roberto Carlos: Você foi!/O maior dos meus casos/De todos os abraços/O que eu nunca esqueci. E não terá existido contradição nisto, caso tenha ocorrido: simplesmente não podemos extirpar de nós as lembranças de quem mais nos marcou. Não obstante isso, ele estava então com Lili, e não por falta de opção, mas por decisão. Loucamente J. Pinto teria prescindido do seu afeto, em nome de viver uma verdadeira felicidade. Realmente viver sem amor pode ser uma vida ignóbil, mas um dia talvez cheguemos à conclusão de que também viver sob a égide do seu ideal pode ser uma bobagem, uma vez que somos capazes de encontrar felicidade para além de quem nos referenciou o amor. E era isso, pobrezinho, pobrezinho, que eu queria dizer aos casais: não se espantem se vocês um dia se derem conta de que vocês amaram (ou ainda amam) mais uma outra pessoa que não esta de agora, presente em suas vidas. Bem-aventurados os que se encontram em situação diferente, mas parabéns para vocês outros porque neste dia vocês terão alcançado a fileira daqueles que tiveram a coragem de prescindir do amor idealizado, para serem concretamente felizes, decidindo-se por um outro amor.
A todos vocês, um feliz Dia dos Namorados!

Adriano Portela é escritor e padre, grande amigo.

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