segunda-feira, 9 de março de 2009

O QUE É POESIA? (pequeno estudo pré-iberogrecoromano) de Geraldo Maia

Geraldo Maia - poetanada

Uma vez o Rei Hunac Ceel chamou ao seu palácio em Mayapán alguns poetas para conversarem acerca do que seria a poesia já que o povo a consumia com apetite e a mesma andava na boca de todos com sabores diversos em falas distintas e linguagens as mais estranhas e talvez até inadequadas para veicular a arte de falar e escrever em versos.

O nualtl Tantak Yllimá foi chamado a dar a primeira impressão sobre o assunto, o que ele pensava e sentia sobre a arte de inventar poemas. Sábio, o nualtl (assim eram chamados os poetas entre os Maias) começou a falar de modo contido e suave, sua principal característica. "O poço da alma é feito de pedra memória com um sol ainda sem fermento ou punho, tudo o que nele derrapa tem olhos de lago porque há uma montanha sem lastro em seu silêncio, um vendaval sem cintura em sua reza, e a conversa da lava chega forte e rápida e o seu rastro tem o veneno curvo do alabastro". Essa tradução fiz ao pé da letra, mas podem lê-la no original no livro, "O Livro Puma de Chinzé Amilatl", um dos poucos que conseguiu escapar da fúria civilizatória iberogreco-romana que se abateu de modo macabro sobre as avançadas civilizações de Abya Yala (Terra Fecunda, conhecida também como América).

Esse livro tem o miolo todo confeccionado em papel de seda da Índia, de altíssima resistência, e tem a capa em pele de Alpaca tratada pelo tradicional método asteca de preparar capas para brochuras. Os Maias escreviam muito bem, mas os Astecas eram o verdadeiros "reis" da produção gráfica. Era comum a presença de artistas gráficos oriundos da China nas oficinas astecas. Assim como era possível encontrar professores de escrita chineses nas bibliotecas maias.

Aviso que ainda não domino por completo o idioma Maia, um dos mais complexos do mundo, bem similar ao chinês de onde origina trazido pelos sumérios através do estreito de Bhering antes do descongelamento e afastamento das placas teutônicas entre os continentes de MU e Atlântida, mas com certeza trata-se de uma versão bem próxima à original.

Bom, voltando ao encontro dos poetas maias. Hunac Ceel manteve-se impassível. Então Chaap Mutl, considerado o mais importante dos nualtls (poeta) do império maia chamou para si o jogo e disparou: "Oh, ventre do horizonte vencido, carne de mar penetrado com a lança da saudade, tu, que a noite devora enciumada, deixai que essa semente do sem fim encontre abrigo em tua barra de olvido, e que mesmo despedaçada a manhã de olhos de coiote consiga saciar esse teu pranto", e como o silêncio insistia após as falas só o Rei mesmo para usar da palavra.

"Tivemos até algumas novas pedras preciosas de poesia Maia em Texcoco, nesses últimos tempos, novas vozes alvissareiras e a transformação evolutiva de muitas das então conhecidas, mas na verdade ainda pouco sabemos do que seja poesia. Podeis declamar ou falar belos poemas, sem dúvida, mas quem define esse "belo"? O povo nas ruas ou os belos nualtls aqui presentes? Eu posso até decretar, mas não creio que resolvesse de pronto, que a poesia está em toda parte.

A pirâmide que abriga esse palácio por certo é poesia pura, do tipo pedra e argila, dos jardins emerge a poesia das pétalas e plumas, do ourives a poesia da paciência como arte, dos meus valentes guerreiros a poesia dos campos de vitória ou esquecimento, a mesa farta os aguarda, meu poderosos nualtls, onde encontrarão do dourado e saboroso askinin (porco) ao chinchiutl (vinho) de uvas especiais, verdadeiro sumo de Chaac Mul, a deusa da água, mas tudo isso é fruto da poesia culinária, a arte de inventar dos canteiros e campos de caça os pratos mais saborosos e belos e as bebidas cheias de malícia e poder. Até meu gato, esse siamês sutil e feiticeiro é mestre em inventar canções com a lua.

Por falar nisso, venham comigo até a varanda, lá está nossa mama, linda e toda prenhe do sol, e sua gravidez solar é capaz de riscar os mais belos poemas nos olhos da noite. Nada a assusta, nem a ameaça do amanhecer com a presença dominante do nosso amado taita, ela se mantém altaneira, seu amor a faz resistir aos caprichos do tempo.

Mas o mistério da poesia paira sobre nossas palavras que por si só se retraduzem e se ressignificam a cada instante num processo de morte e ressurreição da linguagem. Para existir, a poesia destrói os códigos da linguagem, as leis da gramática, os rituais da norma, só assim pode criar a sua própria, a linguagem poética.

Tudo isso, para mim, caros nualtls, é apenas parte do meu aprendizado, ainda bem superficial. Cabe a vocês a palavra. A mesa é farta e nos espera. Estou com muita fome. O que vocês preferem? Comer ou recitar?"



Geraldo Maia é poeta da Praça das antigas...

Um comentário:

Anônimo disse...

Esse é um verdadeiro tratado poético e filosófico desta forma de arte. O melhor foi mencionar a importância da forma de expressão que se popularizava já nas antigas civilizações. A poesia segue como o mito... É o falar do deuses. Bem fez Camões enaltecê-los todos em os Luzíadas. Mas a mesma poesia que servia o poder é a que hoje denuncia as vis realidades. Quanto a minha preferência, confesso servir-me dessa para o paladar das boas horas. Degustarei daquela cujo sabor confunde os saberes dos reis. Eis aí o meu manjar.

Tenho dito!