segunda-feira, 12 de abril de 2010

TEXTO IGNORADO

Sinceramente, não lembro quando comecei a escrever esse texto. Tem nove páginas e não faço ideia de como continuar...



Estavam todos no velório de Adroaldo. A igreja da Penha na Ribeira estava repleta, sem espaço. Havia, um bom número de pessoas, desde o cais do porto até a Penha, todos conheciam Adroaldo. Boa-praça, curtidor. Gargalhava sempre. A sua risada era ouvida a trezentos, quatrocentos metros. Era ao mesmo tempo moralista e impudico. Alguns não o toleravam, como algumas irmãs da esposa Ceci, ele dizia que era despeito de cunhada. Jorge Espinhaço de Porco, o dono da peixaria da Ribeira e marido de Fátima, a amante gostosa que ele sempre se gabava em tê-la e por último a solteirona Rebeca, antiga namorada de Adroaldo a qual ele trocou por Ceci. Esses eram os mais evidentes. É bom que se saiba que Rebeca tem um filho, o Adriano, é mãe solteira, só que ela nunca revelou quem era o pai, a cidade baixa inteira suspeita que Adroaldo seja o genitor de Adriano. Os outros, ao redor, desde o Moinho Salvador, lá no comércio, estendendo-se a toda suburbana e evidentemente terminando na Ribeira, todos sentiam, amor e ódio por Adroaldo. Aquela história do negro período ditatorial, ame-o ou deixe-o .Sendo que ao fim todos o amavam, relevavam e depois irrelevavam, colegas de copo, de libações, mulheres e coisas afins. Sabiam que Adroaldo falava por falar, sem pensar, sem fundir o raciocínio inerente a cada frase. Por vezes e muitas vezes, magoava, chateava, aborrecia quem estava por perto, porém logo em seguida desfazia quase sem querer o mal-entendido. Adroaldo era dono de uma sabedoria que ele próprio desconhecia. Uma vez, durante a feijoada de um Exu, com muita cachaça, galinha ao molho pardo e uma sangria desatada, um pai de santo disse a ele:
_Olhe, filho, você é dotado de algo diferente dentro de você, huum, huum, ele, aquele ali, filho, que cuida de sua cabeça, não está contente com você, ele é sério e dotou você de sabedoria do mundo, do universo, que você cospe fora sem dar nenhum valor, cuidado, filho, cuidado...(enquanto olhava os búzios, houve um aviso) Filho, cuidado com o ponto preto, o ponto preto, tenha cuidado...
_Ora, ora, mais veja você, seu pai de santo, eu num acredito em nada, nem em Deus, acredito em mim, na feijoada, na galinha e na cachaça...Ponto preto!? Ponto preto, que ponto preto? Aaaah, tô lascado...
Carlinhos Pescoço de Galo, Lúcio Surubim, Edvaldo Donzelo, Luís Old Eight, Dorival Desmarcado. Essa era a turma de Adrolado Gargalhada. Todos estavam sentidos, mas Edvaldo Donzelo era o único inconsolável. Pelo apelido o leitor já deve desconfiar. Edvaldo iniciou-se sexualmente aos vinte e cinco anos. Até então era virgem, cheio de uma timidez que não o deixava conversar direito com nenhuma mulher. Adroaldo colocou em sua frente Lili Tabacão. Nua em pêlo. Lili era uma mulher bonita, não estudou, largada praticamente no altar, zangou-se e decidiu dar a todo mundo. Prostituiu-se. O epíteto que acompanha o nome de Lili já diz tudo. E Edvaldo esbaldou-se em cima, por baixo, de ladinho, na frente, atrás e assim por diante durante anos. Até que se casou com Marinalva Palito. Adroaldo não se cansava de gabar-se por ser o padrinho sexual de Edvaldo e este o reverenciava com fervor. Ai de quem falasse mal de Adroaldo Gargalhada na frente de Edvaldo Donzelo.
_Faça o favor de respeitar a memória de meu amigo Adroaldo, faça o favor de ir contar suas favas longe daqui, o que ele fez a você? O que ele fez? Adroaldo não teve culpa de sua mulher se engraçar com ele não, viu... Você que tratasse bem dela, desse carinho, respeito e sexo... Não deu e deu no que deu, agora fica se remoendo, falando mal do morto, se assunta, rapaz...
_Calma, Edvaldo, calma, rapaz, que é isso? Isso são horas de levantar segredos?...”Esse cara morreu de que, afinal?”
Carlinhos Pescoço de Galo interveio. Carlinhos era funcionário público, amigo forte de Adroaldo. Trabalharam juntos desde cedo. Possuíam a mesma idade. Carlinhos era um elemento esperto, tinha visão. Sabia ler nas entrelinhas, apesar de pouco estudo. Pescoço ingressou primeiro numa camisaria lá no Taboão. Era de um casal de velhos, seu Filomeno e dona Francisca. Lá pelos idos dos anos setenta, na alta ditadura. Começaram a criar tipos de camisas, estampas e vender. Pescoço, muito buliçoso começou a dar palpites nas criações. O velho Filó tomou gosto e o deixou na linha de frente da pequena empresa. Ele, Carlinhos Pescoço de Galo, mais do que depressa convidou Adroaldo para trabalhar. Não houve problema para convencer o velho Filó, que também gostava de conversa fiada. Adroaldo muito carismático ouvia as histórias do velho e gargalhava, aplaudia, insuflava. O velho Filomeno sentiu-se num grande palco, estrelando o espetáculo da sua vida. Já a velha Francisca, cismada e desconfiada, torcia o beiço quando via Adroaldo. Fazia caretas de desagrado, mas Adroaldo Gargalhada já havia caído nas graças do velho.
Dessa forma Carlinhos Pescoço de Galo e Adroaldo Gargalhada começaram a trabalhar juntos e sedimentar uma amizade de pré-adolescência. Nunca mais se separaram. Certa vez, um candidato a deputado federal foi à camisaria propor um serviço ao velho Filomeno.



sei não...

quarta-feira, 26 de agosto de 2009

O MELHOR COLÉGIO DA BAHIA

Quando foi requisitado pela tia e madrinha para trabalhar como ajudante de porteiro no colégio de gente rica, classe alta na Orla de Salvador, Dedé tinha apenas quinze anos. Maria Angélica, a tia madrinha, morava na capital baiana há dez anos e muito amava o sobrinho e afilhado. O viu nascer, melhor, ajudou o agora rapaz a vir ao mundo. Sua irmã, mãe de Dedé, morreu de parto. A criança ficara sozinha e nos primeiros cinco anos Maria Angélica cuidou como se fosse seu filho. No entanto assim que o pequeno ficou mais esperto, a tia contou-lhe toda a verdade. Dedé sabia ler e escrever, não tinha, entretanto base gramatical, separava sujeito de predicado e comia e acrescentava letras às palavras quando não existia, nem uma coisa nem outra. A intenção de Maria Angélica era colocá-lo entre os estudantes daquele grande colégio onde ela era secretária do diretor. Mas a idade avançada de Dedé não permitia que ele se misturasse entre os alunos de quinta série, esses na faixa de onze e se muito doze anos. Disse-lhe o diretor que a presença dele na sala de aula levaria constrangimento aos mais novos e a ele mesmo. Comprometeu-se o próprio diretor a tomar-lhe a lição três vezes por semana, para isso Dedé teria quatro horas de aulas, divididas em duas, às segundas e aos sábados.

A função que cabia ao garoto era simplesmente prestar a atenção nos crachás dos estudantes quando se adentravam no estabelecimento educacional. Não era permitido o acesso as dependências da escola sem o crachá e vez por outra havia esquecimento e troca do documento entre os colegas. Isso não era permitido, Dedé então teria que ficar de olho na foto e em quem carregava a insígnia diferencial no peito. O porteiro titular era o senhor Sílvio, a quem os alunos chamavam de “Aranha”. Já com cinquenta e cinco de idade e com a aposentadoria a coçar seu pensamento, Aranha não enxergava direito. Do lado de fora da escola, ficava Lulinha das coxinhas. Vendia coxinhas de galinha caseira. Lulinha vendia aos estudantes, e só fiava para depois cobrar sua mercadoria aos ricos efetivamente. Do outro lado, Alemão, era um com a cara vermelha. Provavelmente do sol, pois andava de um colégio a outro, havia três nesse pedaço, vendendo picolés. Os outros meninos que estudavam em colégios públicos e eram pobres, rodeavam os colégios de ricos e criavam rixas de todo o tipo. Jogavam entre si, os pobres e os ricos. Havia em algumas modalidades vantagens distribuídas. Por exemplo havia um menino pobre que nunca perdera uma só partida de buraco de gude. Era um negrinho mirrado e vivaz. Saia sempre com o dobro ou triplo das gudes que levava. Por outro lado, numa sala aberta à comunidade, havia jogos eletrônicos e os meninos ricos sempre levavam a melhor, evidentemente pela destreza e comodidade de ter em suas próprias casas aqueles brinquedos plásticos. Todas as segundas a algaravia do futebol tomava conta na entrada e na saída das aulas. Todos, pobres e ricos discutindo futebol. Uma outra turma recolhia-se mais ao canto sob a grande copa de uma árvore. Eram diferentes e conversavam como adultos que não eram.

Aranha comentou com Dedé sobre um professor que todos respeitavam ou tinham medo, não sabia ao certo. Dedé estava ali desde o começo do ano e já durante as provas da terceira unidade tinha e fazia amizade com todos. Professores, estudantes, as moças da cantina, os rapazes da limpeza, e claro, seus colegas porteiros. Além dos meninos pobres que sonhavam estudar naquele colégio, mas não passavam do portão do grande estacionamento que ficava na frente da entrada principal daquele colégio de ricos. Ultimamente Dedé havia feito uma nova amizade. Conhecera um professor de Escrita Criativa do colégio público onde os meninos pobres estudavam. Esse professor pleiteou uma vaga no colégio dos ricos e conheceram-se na ante sala do diretor. O professor não logrou êxito com a vaga, mas com a amizade feita também passou a ajudar Dedé em suas lições semanais. O resultado desse empenho mútuo agradou muito ao diretor do colégio dos ricos que assediava descaradamente Maria Angélica a tia madrinha de Dedé.

Às vezes, Lulinha da coxinha ficava impedido de trabalhar, cuidava de todos em sua casa inclusive a mãe que sofria de labirintite. Quando Dona Elvira sofria crises do labirinto, Lulinha ficava em casa e o irmão mais novo do vendedor de quitute, Fábio, de treze anos, era quem se apresentava à porta do colégio de ricos para vender. Fábio deixava de ir à escola dos pobres para venderas coxinhas de galinha que Dona Elvira ensinara a Carmem, irmã de Lulinha e de Fábio a fazer. Fábio fez uma amizade perene e sincera com Adriano da sexta série e doze anos. Filho de um deputado federal eleito pelo voto dos mais pobres nas últimas eleições em Salvador. O pai de Adriano foi quem prometeu tickets no valor de uma cesta básica aos bairros mais carentes, digamos assim, de Salvador. Entre eles; o subúrbio ferroviário, São Caetano, Fazenda Grande, Pau Miúdo, Caixa D’agua, Cajazeiras, Bairro da Paz, Calabetão, Palestina e Cosme de Farias. O pai de Adriano só perdeu em votos para o bisneto de um ex-grande político que governou a cidade da Bahia por quatro décadas. O pai de Adriano era do partido de oposição ao bisneto. Há quem diga que houve conchavos e tramóia política. Ninguém desmente essas palavras.

O professor que foi reprovado no colégio dos ricos e passou a ser mestre oculto de Dedé, tornou-se militante de uma frente anarco-comunista. Difícil foi explicar como tornar-se ao mesmo tempo anarquista e comunista. Mas o professor de Escrita Criativa foi um dos mentores daquele movimento. Recrutou colegas no colégio público, uma boa parte aderiu, pois moravam em bairros pobres e viam constantemente e in loco a condição que as pessoas viviam e o que lhes eram oferecido. Os professores do colégio do diretor que a cada dia intensificava o assédio a Maria Angélica, recuaram e foram tachados de pelegos. No momento da movimentação política e convocação dos docentes desse colégio, a zoada e balbúrdia que os professores da anarquia comunista faziam na orla de Salvador, onde predomina a classe média e alta, era impetuosa, frenética e violenta, lá em cima na sala do diretor, Maria Angélica sofria o ataque decisivo “Vai dar ou não vai? Se não, arruma suas trouxas, as suas e as de seu sobrinho perebento”. O diretor encaixou até o último pelo da virilha. Curioso é que nos momentos paralelos e que se seguiram à manifestação dos educadores por melhorias e até segurança, ocorria numa sala de aula do colégio dos ricos um sério incidente. O professor que Aranha comentara com Dedé sobre sua sisudez e seriedade ao conduzir seu trabalho foi humilhado e agredido com uma cadeirada por um aluno da oitava série, filho de um desembargador. Dissera o agressor que aquele trabalhador era simplesmente seu empregado e por isso ele teria que sucumbir às vontades e desejos dele, o pequeno patrão. Todo esse aparato lingüístico foi emitido na sala do diretor, depois dele depositar em Maria Angélica seu caldo viscoso. O empregado que não teve apoio do patrão maior foi encaminhado a uma clínica com ferimentos na cabeça e com a promessa do diretor em rever sua posição naquele unidade educativa, provavelmente ele não voltaria a exercer sua profissão, conseguida com sofreguidão e avidez em colaborar na transformação da sociedade. De fato os papéis estão transformados, foi o que lhe dissera o médico enquanto dava-lhe oito pontos na cabeça.

Do lado de fora, no mesmo dia e instantes antes ou depois do ocorrido com o professor empregado, a turminha que conversava como adultos e escondiam-se do sol sob a copa das árvores, passava de mão em mão e de boca em boca o cigarro que cheirava a mato queimado. Havia quatro ou cinco do colégio particular, dois intrusos pobres com a farda rota e um estudante de Publicidade, Propaganda e Marketing de uma faculdade paga. Esse um pouco mais velho, era exaluno da casa e virava mexia estava embaixo daquela árvore curtindo o ventinho e a lerdeza da viagem que lhe tomava depois das baforadas. Em rapidez, os fumantes começaram a discutir entre si. Soube-se então que três dos ricos esbofetearam o rapaz com a farda rota e lhe tomaram o que restava no bolso para pagar os quatro tragos que dera. O que havia no bolso eram uma borracha velha, um toco de lápis e um saquinho de amendoim. O outro que o acompanhava na empreitada ousada de misturar-se aos bons, prometeu que no dia seguinte distribuiria o geladinho que o irmão mais novo vendia para ajudar em casa e também para ele mesmo, o mais novo, comprar um caderno e um lápis. Safou-se, mas levou dentro de si a ameaça de voltar e cumprir o dito. Naquele instante ele pensou que voltaria, mas voltaria com a arma do amigo e vizinho Rubi para dar uma lição àqueles filhos da puta filhinhos de papai. Decidiu fazer como Rubi, em vez de usar, passaria a vender também.

O vento sopra a vida tão naturalmente que os fatos nos furtam e tudo se apresenta corriqueiramente aos nossos olhos. No entanto o ser humano é muito mais do que uma simples visão, é impregnado de significados. Fábio vendia as coxinhas que a mãe fazia e cobrava da mesma forma que o irmão mais velho Lulinha. Sabia quem comprava fiado e a esses o negociante de coxinhas, seja o mais velho ou o mais novo, sempre avivava a memória. Adriano e Fábio conversavam e riam muito. Adriano não entendia, apesar de desconfiar, o motivo pelo qual Fábio deixava de ir à escola para trabalhar. Constantemente perguntava ao pai deputado que respondia “a vida é assim mesmo, meu filho, uns são beneficiados e outros não”. Naquele dia comum e normal como todos os outros, cheio de novidades repetitivas, Fábio descansou a assadeira com as coxinhas em cima do muro que dá entrada para o grande estacionamento da escola particular. Havia dito a Adriano que esperava Eduardo, um dos que se escorava sob a copa da árvore. Eduardo não participou daquela negociação furtiva que os amigos tiveram com os dois gaiatos pobres. No entanto, estava em baixo da marquise da capela da escola namorando a filha de um famoso arquiteto. Prometeu a menina uma coxinha para atenuar a fome enquanto aula não terminasse de fato, estavam no intervalo e uma boa parte da turma era liberada para lanchar do lado de fora, pois a cantina era gerenciada por pretos imundos. Era o que Eduardo e sua turma sempre repetiam nos corredores livres da escola particular. Fábio cobrou a Eduardo as quatro coxinhas que ele devia desde a semana anterior. Eduardo fez bico e renovou o pedido “quero mais duas, neguinho”. Fábio disse que não poderia vender enquanto ele não pagasse, eram ordens da irmã Carmem e do irmão Lulinha. Eduardo transformou-se e respirava ofegante. Falou friamente ao neguinho Fábio: ”quero mais duas neguinho”. Fábio recusou-se a vender. Adriano reforçou a postura do amigo. Eduardo investiu contra Fábio, tinha algo luminoso na mão. Adriano tomou a frente e viu a barriga sangrar. Eduardo tomou à força a assadeira e com as mãos de sangue levou duas coxinhas. Um para ele e a outra para a namorada que não reclamou e comeu rindo dos dois pequenos. Fábio desesperado socorreu Adriano, correu e chamou Dedé. Dedé chamou Maria Angélica que chamou o diretor. Este se apavorou quando viu de quem se tratava e o levou imediatamente ao hospital dando ordens aos policiais da ronda que retirassem todos os ambulantes ao redor da escola “o neguinho das coxinhas agrediu meu aluno, tome providências com ele”.

O estudante de Publicidade da faculdade particular, tratou de fotografar os dois episódios, era, portanto onde havia provas cabais contra os alunos ricos e delinquentes. Propositalmente provocou a ira dos estudantes envolvidos. Extorquiu dinheiro dos camaradas. O deputado fora de si, o que é perfeitamente compreensível, disse em voz alta na porta da melhor escola da Bahia <em>“paga-se caro para uma educação fraudulenta, paga-se caro para viver dignamente, paga-se caro para ter quem pense por mim e paga-se caro para ver meu filho esfaqueado por um moleque de rua, esfomeado que não deveria ter nascido... Tudo aqui na Bahia é um absurdo...”, palavras do deputado.

Dedé olhava uma moça distraidamente, ela fez careta e cara de nojo para o ajudante de porteiro. Era Zélia, aluna bolsista, sobrinha de seu chefe na portaria. “Não se enxerga, não? Sou aluna, viu?”. Aquilo deixou Aranha morto de vergonha. Pediu desculpas a Dedé e repreendeu a menina longe dos olhos das coleguinhas. Zélia todos os dias contava às amiguinhas o privilégio de ser sobrinha do diretor. “Ele é um amor comigo, manda me chamar na sala dele e diz que vai me transformar na mulher mais bela da Bahia”. Ele realmente diz isso e, claro, sabemos que o diretor não é o verdadeiro tio de Zélia. Tem quatorze anos e senta todos os dias no colo do diretor antes de ir para sala de manhã cedinho.

Maria Angélica sentindo-se repugnante e cheia de asco chorava no banheiro. Só se entregara a um homem uma vez em trinta e dois anos de vida. Havia dois meses que namorava um peão de plataforma. Ele estava embarcado e chegaria no fim de semana. Ela não se sentia mais mulher do peão. Não era justo. Não era normal. Maria Angélica esfregava a boca e cuspia com violência, não imaginava que chegasse a tanto. Saíra uma vez com o diretor para almoçar juntos, a partir desse dia os assédios começaram. Depois de quatro anos como secretária. Verdade que como secretária dele só dez meses, antes era o avô quem tomava conta da escola e não era assim, como agora. O avô era disciplinador, honesto e bom. Maria Angélica quis pôr fim a sua vida.
Fábio foi detido e levado para a Delegacia de repressão ao menor infrator. Adriano suspirava. Teve sorte, era um menino saudável e forte, mas provavelmente teria que fazer hemodiálise no futuro, pois perdera um rim. O pai deputado pensou com ele mesmo “ o dinheiro que pagará a hemodiálise do meu filho será o mesmo que eu daria para as cestas básicas prometidas às famílias de monstros como o que deixou meu filho sem um órgão, que morram de fome os miseráveis”.

Dois dias depois a manchete do maior jornal da Bahia foi que um traficante de nome Rubi matara a sangue frio três jovens da alta sociedade baiana. O delinqüente juvenil estava acompanhado de dois outros, um deles gritava em fúria “minha borracha, meu lápis e meu saquinho de amendoim, desgraçados...”. Nesse mesmo instante Maria Angélica servia novamente ao diretor e com uma tesoura repetiu no melhor estilo de Grace Kelly em “Disque M Para Matar” o ato derradeiro. Dedé corria assustado para salvar os estudantes baleados sem êxito, só Aranha viu a fuga de Maria Angélica pela porta lateral da escola. Aranha sabia de tudo e automaticamente em conivência fez vistas grossas para a fugidia. Assim ele sabia que, sua sobrinha estava livre do iminente favor...


Carlos Vilarinho 24/08/09

domingo, 26 de julho de 2009

DESPEDIDA DE MIM

Quando me olhei de relance, no espelho da janela do quarto, vi a vida que passou por mim...
Deixando suas marcas
Cravando suas estacas
Na minha pele
Nos meus olhos
Na curva do meu sorriso
Vi a menina de doze anos me acenando de dentro de mim...
No reflexo do meu rosto no espelho, vi minhas idades passearem em frente a mim...
No espelhar da minha imagem de hoje, revi lances de quem fui...
Tentei fixar a visão, mas tudo flutuou e recolheu-se como uma ostra dentro da concha.
Prendi a respiração por um minuto, mas a imagem guardou-se dentro de uma parte funda em mim...
A saudade agora molha meu rosto, antes de menina e agora de mulher...
Muitos dizem que escondo minha verdadeira idade,
Mas tudo que vivi está misturado dentro de mim
E na gangorra dos anos, passo e repasso a lição de tudo que aprendi, de tudo que vivi, de tudo que jamais esqueci...
Mas as dúvidas persistem:
Sou eu mesma fora de mim, quando não me reconheço dentro de mim?
Sou inteira dentro de mim, quando só vejo por fora, partes de mim?
Sou apenas feita de papéis: de filha, irmã, namorada, amiga, amante, mulher, mãe...
Onde estou eu? Para aonde vou eu? Quem sou eu?
Só sei que quando vejo minha imagem no espelho, já não me reconheço mais no presente, absurdamente me revejo em tudo que já fui e sinto-me despedida de mim.


Alba Bagdeve
19/04/08.

terça-feira, 21 de julho de 2009

TRÊS TIROS NUMA HISTÓRIA DE AMOR

...Nesses dias com Vadinho, na casa dele ou em Arembepe, quando inventei uma viagem relâmpago à casa de parentes para ficar ao lado do homem que me amava e me pegava com firmeza, pensei muito em sumir da vida de Lage...
_Filha de Yansã tem a coragem no sangue, dona Harmonia.
_Oi, Joaninha, nem reparei você aí... Estava aqui tão dentro dos meus pensamentos...
_Deu pra ouvir.
_O que?
_O que a senhora pensava...
_Você ouviu o que eu estava pensando?
_Mais ou menos, é como alguém me soprasse no ouvido suas palavras... O que a gente pensa fica no ar, podendo ou não acontecer, depende de nós mesmos.
_Você quer dizer que o que eu estava pensando pode concretizar, não é isso?
Joaninha balançou a cabeça afirmando.
_Isso eu sei também, Joaninha, acontece que as coisas e os fatos que nos circundam não dependem só de nós...
_Peça a sua mãe, que ela vai atender a senhora.
_Minha mãe?
_Yansã.
_Já me disseram isso, mas... Não sei...
De fato já ouvira aquilo. Havia uma senhora que vendia comida baiana, eu sempre fui até lá às sextas-feiras. Era um restaurante bem humilde, perto do meu trabalho. Sempre fui sozinha, um dia ela me disse que eu tinha nascido filha das águas, mas que a guerreira dos trovões me tomou de roldão. Quando me sentava para fazer o meu pedido, ela mesma vinha me atender.
_Eparrei, Oyá, Yansã dos trovões...

segunda-feira, 13 de julho de 2009

CRIME OCULTO - mais uma palhinha

Havia pensado anteriormente numa história de corno, mas não havia delegado, o traído era um trabalhador simples, do povo. Cheguei a construir o parágrafo, mas Ana Rosa me fez perder. Prosaicas as duas ideias, no entanto é o que se vê em todo canto: traições conjugais. Ainda mais na Bahia que o povo vive se esfregando, dançando, sambando. A crítica não aplaudirá, mas o senso comum, sim. Ora,se todos vivem com os olhos pregados em reality shows, em novelas sem apuro filosófico ou cultural nenhum, se todos querem mesmo é comentar ou fazer piadas sobre o outro. Rir do outro sem se melhorar. Não criar empatia. Eu também tenho direito de expressar o que sinto e vejo, afinal sou escritor, portanto meu conto é totalmente condizente com o leitor contemporâneo. O diabo é que as editoras só pensam em dinheiro, tenho que escrever algo que apele também para o comercial. O leitor gosta de sexo ou de novelinhas piegas de amor. Nada de Nietzsche ou psicologia analítica Junguiana...

domingo, 12 de julho de 2009

CONVERSA SEM SENTIDO PRA DEDÉU

para Nélio, Elsa e Patrícia (amigos da velha guarda)


Palavra, frase, morfema.
Ideia, pensamento, papel.
Período, parágrafo, fonema.
Fantasia, credo, labéu.
Sufoco, suor, emblema.
Grafia, desenho, céu.
Sapiência, ignorância, problema.
Natureza, off set ao léu.
Texto, significante/significado, teorema.
Conto, crônica, cordel.
Antônimo, sinônimo, clara ou gema?
Conversa sem sentido pra dedéu.
Índio, Alencar, Iracema.
Mais vale o tabaréu,
Que não liga para tema.
Ou melhor, ser pinel,
Leva a vida sem lema.
Impressão, imagem, papel.
Língua reforma sem trema.
Leitura, cor, pincel.
Aaah, mas que dilema!
Ler as revistas Marvel,
Ou parar de escrever o poema...

terça-feira, 7 de julho de 2009

Olá professor!
Meu nome é Mandrágora, tenho 30 anos, sou dona de casa, por opção própria, tenho dois filhos, um menino de 15 anos e uma menina de 13 anos, adoro ler, cheguei a prestar vestibular para psicologia, mas precisei desistir do curso, pois precisava cuidar da minha família. Pesquisei os blogs de escritores baianos e encontrei o seu, achei interessante a forma como o senhor escreve, parece estar conversando com os leitores, é bem íntimo, isso é bom. Gostaria se fosse possível que o senhor abrisse um espaço para eu prestar uma homenagem ao Michael Jackson, cresci ouvindo suas canções, o meu filho mais velho também o adora. Se achar conveniente segue meu texto para sua apreciação. Grata por sua atenção
.


DESENCONTRO DE SI

Michael Jackson não morrerá jamais, enquanto eternizado como mito pop pelos fãs, o menino sôfrego de carinho, de amor, numa busca frenética por aceitação, esse já estava morto e enterrado por doses maciças de química e cirurgias plásticas... Numa entrevista ele disse: sou uma pessoa solitária.
E talvez por isso, o desenfrear de artifícios para compor a aparência idealizada como modelo perfeito, que despertasse aprovação, do outro mais próximo admirado, da família, da mídia, do mundo.
Pensando nisso, algumas questões afloram pela incoerência de situações que remetem a um processo insidioso.
O que faz uma pessoa falar minuto após minuto ao telefone, emendando um assunto no outro?
Sentar pra teclar no PC com 05 internautas de uma vez só?
Assistir as novelas sem perder um capítulo?
Acompanhar os realities shows?
Teclar com um desconhecido de apelido charmoso e cara sedutora que desemboca delírios e fantasias obscenas?
Enquanto alguém está na sala ou dorme no quarto?
O que tem em comum tudo isso?
Seria ansiedade, fuga da rotina, medo da solidão, incapacidade de viver relações de troca com alguém real, sem estratégias mirabolantes que exijam mentiras de tamanhos variados do PP ao GG ou EXG, dificuldade de auto-aceitação, ou tudo isso junto e muito mais?
É certo que o apaixonar-se tem sua dose de fantasia, pois se não fosse assim ninguém suportaria chegar perto, a idealização do amado é quase isso: SUPORTE para o que vem depois que é o conhecimento de si mesmo através do encontro revelador com o outro...
E às vezes não achamos nada de interessante em nós mesmos... A fruta do pomar vizinho é mais saborosa do que a do nosso pomar... É a curiosidade pelo que está além das nossas fronteiras que nos faz querer pular muros, desafiar armadilhas, transgredir, esgarçar o tecido da relação com aquele que nos fez enxergar o nosso verdadeiro tamanho, a nossa face sem disfarce, sem retoque ou maquiagem.
E assim nos distanciamos do outro que se tornou o atestado vivo de quem fomos, somos e que poderemos ser... E corremos o risco de nos perdemos do nosso eu, da nossa história, dos fios que nos ligam a nossa essência.
E em algum momento percebemos que mesmo tendo dinheiro não compramos compainha, que as válvulas de escape só nos levam a um beco sem saída onde já não nos reconhecemos e não podemos nos encontrar.

Seguem o site e a letra para acompanhar essa bela canção composta pelo astro Michael Jackson que registra bem o seu sentimento e o de pessoas sensíveis como ele.



http://www.youtube.com/watch?v=o8rYl6K2STc

YOU ARE NOT ALONE


Another day has gone, I'm still all alone
How could this be? You're not here with me
You never said good-bye, someone tell me why
Did you have to go, and leave my world so cold?

1-Everyday I sit and ask myself
How did love slip away?
Something whispers in my ear and says

2-That you are not alone
I am here with you
Though you're far away
I am here to stay

3-You are not alone
I am here with you
Though we're far apart
You're always in my heart
You are not alone



All alone, why, oh...



Just the other night, I thought I heard you cry
Asking me to come, and hold you in my arms
I can hear your prayers, your burdens I will bear
But first I need your hand, then forever can begin
(rpt 1, 2, 3)

Just the other night, I thought I heard you cry
Asking me to come, and hold you in my arms
I can hear your prayers, your burdens I will bear
But first I need your hand, then forever can begin
(rpt 1, 2, 3)



Oh...whisper three words and I'll come runnin'
Fly...and girl you know that I'll be there
I'll be there
(rpt 2, 3, 2, 3)



Not alone
You are not alone, you are not alone...

You just reach for me girl
In the morning in the evening
You're not alone, not alone
You and me, not alone, oh, together, together...


Pedido atendido, Mandrágora.