segunda-feira, 12 de abril de 2010

TEXTO IGNORADO

Sinceramente, não lembro quando comecei a escrever esse texto. Tem nove páginas e não faço ideia de como continuar...



Estavam todos no velório de Adroaldo. A igreja da Penha na Ribeira estava repleta, sem espaço. Havia, um bom número de pessoas, desde o cais do porto até a Penha, todos conheciam Adroaldo. Boa-praça, curtidor. Gargalhava sempre. A sua risada era ouvida a trezentos, quatrocentos metros. Era ao mesmo tempo moralista e impudico. Alguns não o toleravam, como algumas irmãs da esposa Ceci, ele dizia que era despeito de cunhada. Jorge Espinhaço de Porco, o dono da peixaria da Ribeira e marido de Fátima, a amante gostosa que ele sempre se gabava em tê-la e por último a solteirona Rebeca, antiga namorada de Adroaldo a qual ele trocou por Ceci. Esses eram os mais evidentes. É bom que se saiba que Rebeca tem um filho, o Adriano, é mãe solteira, só que ela nunca revelou quem era o pai, a cidade baixa inteira suspeita que Adroaldo seja o genitor de Adriano. Os outros, ao redor, desde o Moinho Salvador, lá no comércio, estendendo-se a toda suburbana e evidentemente terminando na Ribeira, todos sentiam, amor e ódio por Adroaldo. Aquela história do negro período ditatorial, ame-o ou deixe-o .Sendo que ao fim todos o amavam, relevavam e depois irrelevavam, colegas de copo, de libações, mulheres e coisas afins. Sabiam que Adroaldo falava por falar, sem pensar, sem fundir o raciocínio inerente a cada frase. Por vezes e muitas vezes, magoava, chateava, aborrecia quem estava por perto, porém logo em seguida desfazia quase sem querer o mal-entendido. Adroaldo era dono de uma sabedoria que ele próprio desconhecia. Uma vez, durante a feijoada de um Exu, com muita cachaça, galinha ao molho pardo e uma sangria desatada, um pai de santo disse a ele:
_Olhe, filho, você é dotado de algo diferente dentro de você, huum, huum, ele, aquele ali, filho, que cuida de sua cabeça, não está contente com você, ele é sério e dotou você de sabedoria do mundo, do universo, que você cospe fora sem dar nenhum valor, cuidado, filho, cuidado...(enquanto olhava os búzios, houve um aviso) Filho, cuidado com o ponto preto, o ponto preto, tenha cuidado...
_Ora, ora, mais veja você, seu pai de santo, eu num acredito em nada, nem em Deus, acredito em mim, na feijoada, na galinha e na cachaça...Ponto preto!? Ponto preto, que ponto preto? Aaaah, tô lascado...
Carlinhos Pescoço de Galo, Lúcio Surubim, Edvaldo Donzelo, Luís Old Eight, Dorival Desmarcado. Essa era a turma de Adrolado Gargalhada. Todos estavam sentidos, mas Edvaldo Donzelo era o único inconsolável. Pelo apelido o leitor já deve desconfiar. Edvaldo iniciou-se sexualmente aos vinte e cinco anos. Até então era virgem, cheio de uma timidez que não o deixava conversar direito com nenhuma mulher. Adroaldo colocou em sua frente Lili Tabacão. Nua em pêlo. Lili era uma mulher bonita, não estudou, largada praticamente no altar, zangou-se e decidiu dar a todo mundo. Prostituiu-se. O epíteto que acompanha o nome de Lili já diz tudo. E Edvaldo esbaldou-se em cima, por baixo, de ladinho, na frente, atrás e assim por diante durante anos. Até que se casou com Marinalva Palito. Adroaldo não se cansava de gabar-se por ser o padrinho sexual de Edvaldo e este o reverenciava com fervor. Ai de quem falasse mal de Adroaldo Gargalhada na frente de Edvaldo Donzelo.
_Faça o favor de respeitar a memória de meu amigo Adroaldo, faça o favor de ir contar suas favas longe daqui, o que ele fez a você? O que ele fez? Adroaldo não teve culpa de sua mulher se engraçar com ele não, viu... Você que tratasse bem dela, desse carinho, respeito e sexo... Não deu e deu no que deu, agora fica se remoendo, falando mal do morto, se assunta, rapaz...
_Calma, Edvaldo, calma, rapaz, que é isso? Isso são horas de levantar segredos?...”Esse cara morreu de que, afinal?”
Carlinhos Pescoço de Galo interveio. Carlinhos era funcionário público, amigo forte de Adroaldo. Trabalharam juntos desde cedo. Possuíam a mesma idade. Carlinhos era um elemento esperto, tinha visão. Sabia ler nas entrelinhas, apesar de pouco estudo. Pescoço ingressou primeiro numa camisaria lá no Taboão. Era de um casal de velhos, seu Filomeno e dona Francisca. Lá pelos idos dos anos setenta, na alta ditadura. Começaram a criar tipos de camisas, estampas e vender. Pescoço, muito buliçoso começou a dar palpites nas criações. O velho Filó tomou gosto e o deixou na linha de frente da pequena empresa. Ele, Carlinhos Pescoço de Galo, mais do que depressa convidou Adroaldo para trabalhar. Não houve problema para convencer o velho Filó, que também gostava de conversa fiada. Adroaldo muito carismático ouvia as histórias do velho e gargalhava, aplaudia, insuflava. O velho Filomeno sentiu-se num grande palco, estrelando o espetáculo da sua vida. Já a velha Francisca, cismada e desconfiada, torcia o beiço quando via Adroaldo. Fazia caretas de desagrado, mas Adroaldo Gargalhada já havia caído nas graças do velho.
Dessa forma Carlinhos Pescoço de Galo e Adroaldo Gargalhada começaram a trabalhar juntos e sedimentar uma amizade de pré-adolescência. Nunca mais se separaram. Certa vez, um candidato a deputado federal foi à camisaria propor um serviço ao velho Filomeno.



sei não...