sábado, 31 de maio de 2008

SEGREDOS E MEMÓRIAS DE UMA MULHER ATRAENTE E DESPUDORADA


Como repreensão, fui mandada para um internato só de moças (riso sarcástico). Se o Júlio não tivesse feito todas as coisas comigo, se não fossemos curiosos em torno do nosso próprio corpo, me bolinado, eu teria ficado horrorizada naquele lugar. Desconfie, filha, de quem vive rezando e chamando por Deus a três por quatro, tem sempre um podre, ou mais de um, em baixo do tapete do crente. Lá conheci a Olga. Coitada. Você tem uma interrogação no rosto, filha, por quê? Vou lhe contar, escreva aí. Quando cheguei percebi no íntimo de que se tratava de fachada para esbórnia. Li em livros que havia lugares lúgubres como aquele, “O NOME DA ROSA” do professor Eco ilustra mais ou menos aquele lugar. Exatamente, filha, há o filme também. Fui recebida por imã Karenina. Quando centrei minha visão naquele rosto vi que se tratava de uma libidinosa no mais alto grau. Muito séria, sisuda, dona de uma máscara intrépida que escondia a verdadeira face da orgia sexual. Tinha Júlio em meu pensamento e assim abafava o sofrimento. Havia diversas tribos entre as meninas. Geralmente faziam as mais novas, recém chegadas de slavers chamavam-nos assim. Não cedi às pressões das meninas, não deixei que Olga também sucumbisse àquilo. Arrancava forças do meu pensamento em Júlio e não esmoreci. Tínhamos todas que nos recolher e dormir às vinte horas. Mas eu não. Acostumado em dormir tarde, pois ficava com Júlio no amasso, aproveitava para ler livros proibidos. Li Madame Bovary e O Crime do Padre Amaro, dois livros exilados, por assim dizer, lá dentro. Numa noite então ouvi passos furtivos vindos do corredor além de vozes sussurradas e abafadas. Resolvi investigar, achei estranho. Segui os ruídos e cheguei ao porão. Tomei um susto quando olhei à socapa, de través pela porta. Era uma sala escura com sete velas de sete dia pretas arrodeando uma estrela. No centro da estrela um chifre não sei de que. E um homem, não sei direito mas acho que era o negro alto e forte da limpeza. Vestia uma sunga vermelha e tinha os olhos esbugalhados olhando as pessoas ao redor. Eram a irmã Karenina, a irmã Madalena, nome sugestivo para o que ela fazia, não acha? E sete garotas do internato, acho que as mais velhas. Reconheci Maria Alcina e Cátia. Depois de alguns minutos o negro alto e forte que estava no centro da tal estrela escolhia uma das meninas e currava. Assisti a tudo nesse dia. Ele começou bolinando, depois mandou irmã Madalena lamber as entranhas do ânus em seguida penetrou nela por trás. Acho que era virgem, pelo menos por trás, pois sangrou muito. Depois de satisfazer-se deu início a um festival de lesbianismo, sapatagem que jamais vi em minha vida. Luxúria e permissividade em alta escala.

QUARTA PARTE- TERÇA-FEIRA 03/05

terça-feira, 27 de maio de 2008

SEGREDOS E MEMÓRIAS DE UMA MULHER ATRAENTE E DESPUDORADA- terceira parte


Então como ia dizendo, filha, eu e Júlio passamos a nos conhecer. A conhecer nosso corpo e cada um conhecer seu próprio eu. Fica claro que depois do primeiro amor, diga-se do primeiro momento sexual, as coisa tornam-se mais simples e nós mesmos é que complicamos. Júlio ficava cada vez mais homem, mais forte, mais másculo. Já em mim, o corpo torneava-se, ganhava formato de mulher madura. Além do apetite por sexo que se acentuava todos os dias que nos encontrávamos no quintal da nossa casa, sem ninguém saber. Aprendemos um com o outro a lidar com nossos corpos, a nos bolinar. Ficávamos embriagados e sempre surgia uma fúria animalesca que ao nos beijar por vezes nos feríamos. Sentia destemor e segurança quando Júlio me abraçava forte e roçava seu membro grande e duro em todo o meu ventre. Em seguida colocava-o dentro de mim e massageava meu botãozinho clitórico (risos), digamos assim, filha. Massageava com muito carinho e zelo. Como um homem deve tratar uma mulher prestes a explodir de volúpia. Eu estudava para munir Júlio do conhecimento e informação que tinha acesso. Não queria que ficasse fora do mundo. Uma vez contei-lhe sobre ROMEU e JULIETA. Júlio indignou-se e numa sabedoria inerente a ele mesmo perguntou porque se matar se amavam um ao outro. Disse-lhe que era opção do autor. E expliquei a ele toda a performance de um criador artístico. Júlio não tinha cabeça para essas coisas, ele achava que não. Tentei fazer-lhe ver que o mundo e as metáforas fazem parte de nós mesmos, que o homem é uma metáfora dele mesmo. Mas a pressão da repressão sobre a raça. O racismo, o preconceito minava a crença que um negro poderia ter a respeito do seu próprio valor. Mas nos amamos e isso é o que importa. Contudo hoje acredito que as coisas e os sentimentos do mundo tem prazo de validade. Um dia minha soube do nosso romance. Berenice outra mucama bem novinha que trabalhava em outra casa, gostava do Júlio e ela nos flagrou. Teve raciocínio perverso de dar asas à fofoca. E minha mãe que até então não havia denunciado laivo de racismo, ficou histérica e bradou aos quatro cantos tudo que havia dentro dela e estava sufocando.
_AAAAAAAAAAAHHHHHH! AAAAAAAAAAHHHHHHH! Quanta traição de negros e negras malditos... Ele me trai, ele me trai, ele me trai com uma negra safada bem embaixo do meu nariz... Forram alcova de sacanagem bem embaixo do meu nariz! Negra, negra, negraaaaaaaaaa...(num rompante de desespero infame) e agora ela, ela... A minha filha sendo comida por um negro estúpido... Por um negro estúpido...ANA VIRGÍNIAAAA, ANA VIRGÍNIAAAAA....Negra parida dos infernos, filha do satanás preto... Quero todos longe daqui, longe daqui... FORA...FORA...FORA.
Foi assim que perdi Júlio por muito tempo da minha vida. Foi como se arrancasse um pedaço de meu eu. Foi pior do que me matar. Nós tínhamos dezesseis anos, acho que o Júlio tinha dezessete. È É isso, ele é mais velho um ano. Nunca mais o vi. Chorava todos os dias. Cheguei a arrumar minhas coisas e tentar ir embora, mas sem Júlio para me dar suporte emocional e coragem não conseguia. Tive que sucumbir esse amor dentro de mim, afogá-lo. Até que depois de quatro meses me senti melhor mas a ausência dele ao meu corpo foi uma dor lancinante. E assim conheci meu dedo. Substituía Júlio todas as tardes, não a contento, mas as imagens cresciam dentro de minhas lembranças e gozava sozinha. Massageava meu clitóris até ficar bem durinho e gozava jorrando, como se fossem lágrimas perdidas.

QUARTA PARTE - SÁBADO 31/05

sexta-feira, 23 de maio de 2008

SEGREDOS E MEMÓRIAS DE UMA MULHER ATRAENTE E DESPUDORADA- segunda parte


Meu pai era um racista nojento. Racista declarado, com brios e carteirinha de preconceituoso étnico. No entanto aquele que não gostava de pretos, tinha um caso amoroso com Judite. A mucama que trabalhava lá em casa. Cuidava de mim, de minha mãe e às escuras dele, do racista de ocasião. Judite era muito boa para mim, independente do caso que mantinha com meu pai. Tinha um filho, o Júlio. Lindo e fofo. Tornou um homem grande e forte. Desconfiava que minha mãe sabia desse caso de amor entre meu pai e Judite, mas acho que não. A julgar pela reação dela quando flagrou. Desconfiava também que Júlio fosse meu irmão, mas não era. Ainda bem para nós dois. Júlio foi o primeiro homem da minha vida. Tínhamos treze anos e sempre passeávamos de mãos dadas... (pausa reflexiva) Certa vez, fomos brincar num riacho que passava por dentro da fazenda do meu avô. Pai de meu pai. Tão racista quanto. Uma vez ouvi e só entendi mais tarde. Ele, meu avô, queria implantar uma vertente da Klukluxklan aqui na Bahia. Pode? Fiquei revoltada quando soube o que isso significava. Tomei um banho querendo arrancar a pele, chorando de ódio e vergonha. Mas voltando ao Júlio. Soube que ele tomaria conta de mim, vibrei uma emoção estranha até então. Estranha mas prazerosa e fiquei feliz em ter Júlio por perto. Sem saber direito o porque daquela alegria jubilosa que tomou conta de mim. Às vezes esquecia isso, às vezes lembrava e ficava ofegante. Sentia uma brasa quando Júlio me abraçava nas brincadeiras e era eu quem demorava de ceder o abraço. Aos poucos fui ficando esperta e sabida nas coisas da vida. Essa natureza é própria de mim mesma desde o dia em que brincávamos nos bosques da fazenda. Ele me agarrava e eu o agarrava. De repente senti algo molhado entre minhas pernas, pensei que tinha me urinado, mas não. Passei a mão e senti o visgo. Imediatamente minha mente e minha libido transportaram meu olhar para Júlio. Quando tinha quatorze anos... (pausa reflexiva) Júlio me possuiu pela primeira vez num tesão agreste. Não que ele fosse estúpido ou rude ao extremo, mas fruto da inexperiência minha e dele. Foi no riacho da fazenda do meu avô. Brincávamos como sempre. Saltávamos pedras escorregadias. Dado momento deslizei sobre umas pedras, procurei algo para me segurar e na adrenalina da queda agarrei no calção de Júlio. O membro grande saltou e o segurei, também. Mesmo já em segurança, sentada numa pedra do riacho não larguei e aos poucos ele foi crescendo. Instintivamente fiz o movimento de vai-e-vem de quiromania e num instante ele estava duro e teso. Júlio se deixou levar e eu também. Não sabíamos como fazer direito, mas mesmo assim nos engolimos, por assim dizer. Foi um pouco dolorido, era a primeira vez de nós dois, como ele confessou, e Júlio muito grande. Mas conforme a dor diminuía, o gozo e o desejo de tê-lo mais e mais aumentava. Depois desse episódio fazíamos amor todos os dias no riacho. Ao final quando gozava, ele sorria levemente sobressaindo as covas da face na altura da bochecha.
Oh!Oh!Oh! Não me olhe assim filha, não me olhe assim... Você deve estar se perguntando porque uma velha como eu ainda fala coisas assim... Tão, tão... Desprendida, não mesmo? Sou um ser humano, filha. Já fui moça como você e agora estou velha. Além do mais são só palavras e o ser humano, jovem ou velho, não difere em sua essência. Todos nós somos iguais, ou parecidos no instinto, no cerne. Claro há os mais pudicos, reservados e os recalcados. Mas todos só pensam em sexo, portanto não se assuste com a velha Ana. Escreve tudo aí, vai ser uma bela história para os amantes...

TERCEIRA PARTE-TERÇA FEIRA 27/05

terça-feira, 20 de maio de 2008

CONTO DO LIVRO "AS SETE FACES DE SEVERINA CAOLHA & OUTRAS HISTÓRIAS" lançado em 2005 pelo selo LETRAS DA BAHIA.

SEGREDOS E MEMÓRIAS DE UMA MULHER ATRAENTE E DESPUDORADA
Primeira parte

Talvez Teseu e tesão façam apenas aliteração das palavras. Entretanto o fio de novelo doado por Ariadne a Teseu salvou-o da solidão, do abandono, da morte. Consideração que ele não retribuiu. A volta para os braços da mulher amada, satisfazer-se nas relvas da Grécia antiga tornou-se modelo de volúpia, desejo da aliterante tesão. Eu não sou Ariadne e, diferente dela, amei alguns homens na minha vida, mas nunca tive uma paixão arrebatadora, eu acho. Sabe, eu acredito que o amor é o único responsável por uma mudança efetiva no fundo do ser humano.Todos os sentimentos produzem ou reproduzem algo nas entranhas de cada um de nós. A paixão, quando rejeitada, produz raiva e ódio. A inveja emergente de um olhar recalcado, traz repulsa e obsessão. Mas o amor não, o amor leva você ao paraíso. Como Dante e Beatriz. Como muitos homens rudes que vi se transformarem em pétalas de rosas sutis ao acariciar meu corpo. Hoje moribunda aqui nesse sofá, e ditando para você minhas memórias e meus segredos de mulher fêmea ao extremo, percebendo o orvalho de fim de tarde que cai sonolento e triste de outono, no salto de noventa e seis anos, recordo-me do meu tempo de existência, meus namoros, amores e gozos. Minhas indiscrições, minhas olhadelas por um buraco de fechadura como num filme em wilde-scream assistido por uma televisão de quatorze polegadas. Ana Virgínia é o meu nome. Letícia, Elizabeth e Olga me chamavam de Ana Vagina. Dadas as minhas criações eróticas no orfanato onde terminávamos numa masturbação coletiva. Sempre fui muito bela. Muito mulher e vaidosa. Provoquei homens e mulheres em desejos ardentes. Mas sempre gostei mais dos homens. A pegada, as mãos grossas e porosas entre minhas pernas e o bafo quente. Nunca tive preconceitos sexuais. Essa coisa de gays, lésbicas, sapatões, transexuais. Tudo sempre existiu. Claro, não dessa forma que é hoje. De uma forma ou de outra a sexualidade do outro, a alteridade sexual é que importa para todos. Machistas, feministas, homos, heteros e até pudicos. Pois então prepare-se, filha, e anote tudo. Pois esse é um relato de uma mulher que viveu em torno do amor e da satisfação corpórea e que não se arrepende de nada. Acredito que a felicidade é o gozo sexual, só assim atinge-se o nirvana, não há outro meio.

SEGUNDA PARTE - SÁBADO 24/05

segunda-feira, 19 de maio de 2008

O AMOR SAUDOSO

Quando estamos embebidos na paixão preliminar, todas as palavras adquirem solene ternura. Contudo a ventania que sopra a vida tornando, sobretudo as coisas efêmeras, não consegue, nem com o seu tufão, apartar ou arrastar para longe um amor inexorável. Mesmo numa floresta de espinhos, vagueando e entre devaneios, a perenidade de um amor é inabalável. Tão sólido como uma rocha e intransponível como a própria atmosfera. Assim é o amor. Nessa semana de luto para a Bahia, luto para quem cria, quem pensa e interage, lembrei-me desse texto meu longínquo, no fundo da gaveta de minha memória. E como memória, saudade, amor são parentes próximos. Como seu Jorge Amado e dona Zélia deixaram saudade sobretudo para a arte literária, ofereço a eles e a você leitor uma pequena, simples e humilde homenagem de um autor também solitário e que procura se espelhar nos grandes como eles.

O AMOR SAUDOSO


Um dia ao chegar em casa, li uma notícia que um homem de setenta e cinco anos havia morrido de amor saudoso. Mas o que seria aquilo? Amor saudoso? Continuei lendo a matéria e soube que se tratava de um amor que durou sessenta anos. Desde os quinze ele amou e foi amado. De longe. Isso mesmo, o senhor Eduardo, gabava-se por isso. Nada mal, contudo o Eduardo saudoso não tinha nada de sombrio, nem em suspense, nem criava corvos. Como o seu autor preferido, um certo Edgar...Tratava-se de um homem alegre que conhecera seu amor aos quinze anos, na adolescência. Viram-se somente uma vez e trocaram juras de amor eterno. Eduardo e Julieta. Julieta, leitora assaz e que era homenagem a um ser da literatura clássica universal. Não se lamentava por seu Romeu chamar-se Eduardo. Pelo contrário amava-o com todas as forças do seu pensamento. Não se sabe o que houve para uma separação tão prematura e inesperada. Eduardo e Julieta beijaram-se e amaram-se só um dia. O único dia que o universo conspirou para aqueles dois amantes. Durante toda a vida os dois mantiveram-se casados. Tiveram filhos e netos. Engraçado que os dois sempre repetiam juras de amor e rezavam um para o outro todas as noites esperando o reencontro. Julieta ficou viúva primeiro e não teve, de imediato, forças para ir buscar Eduardo, mesmo depois de ler “Amor nos tempos do cólera”. Soube também que ele ainda estava casado. Cerca de um ano depois Eduardo ficou viúvo. E sem que ninguém esperasse, procurou por Julieta. Rodou a Bahia inteira e não a encontrou. Desistiu, talvez Julieta já estivesse morta. Foi difícil, mas conformou-se. Encontraria no paraíso. Já havia passado pelo inferno e purgatório, entraria então no paraíso e a encontraria ao lado de Beatriz e Dante. Um dia ao descansar na varanda da casa admirando a baía de Todos os Santos, ouviu o tilintar da campainha.
_O senhor Eduardo Bernardo?
_Sou eu...
_Aaaah! Graças a Deus o encontrei... Há meses estou a sua procura...
_O que houve?
_A dona Julieta Tavares me encomendou essa busca, e quando eu o achasse fizesse o possível para levá-lo até ela... O senhor estaria disposto?
Num ímpeto de euforia e felicidade, ruborizado e, mesmo mostrando as marcas do tempo nas rugas salientes, Eduardo riu contente e alegre. Solicito inquiriu o rapaz sobre Julieta durante horas a fio. O rapaz contou tudo sobre Julieta e ao saber que ela estava viúva a mais de ano, chorou pelo tempo perdido. Disse ao rapaz que não podia ir até o Mato Grosso, onde morava Julieta, os médicos não iam autorizar, mas faria tudo. Pagaria o que fosse para que ela tornasse a Salvador para viverem juntos.
E assim foi feito, Julieta se desfez de tudo no Mato Grosso. Eduardo preparou toda a casa, o jardim e a varanda onde eles ficariam a contemplar o pôr-do-sol. Seu coração batia forte de saudade amorosa. Julieta era só sorrisos. Chegara o grande dia. Eduardo dormira pouco na noite anterior, ansioso e angustiado em ver Julieta. Acordara com batimentos fortes. Era a alegria. Julieta desembarcava no aeroporto. Eduardo sentia o coração de Julieta chegando. Batia mais forte. Quanta saudade! Quanto amor! Tudo seria diluído a poucos minutos. Julieta sentiu um aperto no coração. Emoção e falta de ar. Eduardo e o médico. Julieta no portão. Eduardo e o médico. Julieta, o aperto no coração e a iminente perda. Eduardo e Julieta, as mãos dadas, rugas do tempo. O amor estava no ar.
_Vou esperar você... Nunca é tarde para continuar se amando...


Carlos Vilarinho outubro 2005

domingo, 18 de maio de 2008

O DEGOLADO - FINAL

Era a mesma multidão em torno do salão, ainda não distinguia claramente se era uma igreja. Mas parecia. O indivíduo com o hábito era o mesmo de antes, sem dúvida, era o professor Ventim. Era uma espécie de padre, melhor, era mais importante, parecia um bispo ou alto escalão do papado. O velho todo de branco continuava com o encapuzado. Uma mulher chorando muito. Não era uma festa ou procissão. Era um julgamento. Um livro grande estava nas mãos do padre ou bispo Ventim. Os guardas iam retirar o capuz do encapuzado. A mulher chorava muito mesmo, havia naquele choro uma verossimilhança muito grande e próxima do mesmo pranto em que Lisbela tivera durante o transe. O velho todo de branco cochichou algo no ouvido do encapuzado. A poeira cósmica do tempo virava-se para a imagem de Edgar no sonho. Aproximava-se. Cobrava atenção de Edgar. O bispo Ventim lia o que estava escrito no livro. Deram-lhe um papel. Nesse havia um desenho ao que parece. Mas o livro tinha uma semelhança muito grande com o que estava agora na mesa do escritório e que Edgar examinava minuciosamente. O papel era um desenho. Era o desenho do universo em paralelo, o ciclo, o desenho que também estava no escritório. Mas quem era aquele encapuzado? O professor ouviu o choro e a lamúria da mulher, intrigou-se mais uma vez com a aparência muito próxima de Lisbela. Ela gritava misericordiosamente “NICOLAU, NICOLAU!”. A multidão também gritava. Gritava enfurecida com o tal Nicolau.
_MUERTE PARA NICOLAU! MUERTE PARA NICOLAU!
Enfim a sentença.
_Para o agnóstico e desrespeitoso cientista Nicolau... MUERTE, DEFUNCIÓN, ÓBITO, POR DEGUELLA! Muerte, muerte e muerte... Três vezes muerte para a blasfêmia em torno de DIOS...
Nicolau havia descoberto o mesmo que o professor descobriu sobre o universo na idade média. E então quando o capuz foi retirado.
_SOU EU! SOU EU! Nicolau sou eu!
Edgar viu em desespero Nicolau ser degolado. Após a cabeça rolar na terra medieval e sangrenta, Edgar do alto do seu sonho, viu uma nuvem sair do corpo de Nicolau com todos os sentimentos e pensamentos que só ele sabia. Entendeu então o que significava “ranti”. O professor sentiu que era ele mesmo quem estava ali, viu o seu provável ciclo anterior acabar por causa da descoberta do segredo do universo. O professor Ventim sempre fora um dos seus algozes. Tudo estava realmente se repetindo, agora ele entendia as palavras do velho de branco e preto. Tentava refazer-se desacreditando de tudo que passara naqueles momentos, mas não podia. Sentia que havia outros mundos que compunham ele mesmo. Sentiu os átomos do eterno retorno de Nietzsche penetrarem nele próprio. Os átomos de Nicolau, seus pensamentos e o que descobrira sobre o universo. A lei univérsica. A intuição interior de Einstein, talvez ele também tivesse razão. As causas e os efeitos são produzidas por nós mesmos de acordo com nossos ciclos passados. O professor Edgar abriu o diário de Nicolau, estudou as descobertas, anexou-as às suas já em processo de formatação de livro científico, respirou fundo, como que conformado e satisfeito e continuou a suscitar dúvidas sobre o universo em harmonia...




Carlos Vilarinho, 22 de janeiro de 2007








VOCABULÁRIO IORUBÁ.

Ranti_ lembrança
Lá yá tú ká_ separar seu corpo da terra

quarta-feira, 14 de maio de 2008

DESCULPEM O ERRO ORTOGRÁFICO

PENÚLTIMA PARTE

O DEGOLADO sétima parte(penúltoma)

Em tempos o professor era interpelado nas ruas quase sempre por uma beata, ou por algum fiel de igreja evangélica. As beatas na maioria das vezes se comportavam e o tratavam com uma educação desdenhosa e irônica. Os fiéis evangélicos queriam por vezes massacrá-lo. Xingavam-no e faziam o gesto da forca. Passavam a mão rente ao pescoço, denotando julgamento e condenação prévia. A imagem do último sonho ficou instalada no seu consciente. Que festa seria aquela em plena idade média? Uma procissão que arrastou uma multidão provavelmente extraordinária para época. Contou o sonho naturalmente a professora Lisbela que o ouviu com curiosidade e avidez. Só que em um dado momento quando discutiam o sonho, já com a presença de Lucius e do professor-chefe Rui Mauriti, Lisbela em um ato falho e descuidado, pronunciou: ”Nicolau”. O detalhe é que o professor Edgar ainda não tinha mencionado o desenho que encontrara em sua mesa traçado pelo tal Nicolau.
_De onde você tirou esse nome, Lisbela?
_Que nome?
_O que você acabou de pronunciar...Nicolau.
_Nicolau? Eu falei Nicolau?
_(os três em uníssono) Falou.
_Não sei... De repente acho que não estava aqui, acho que entrei no seu sonho, Edgar, e me vi na tal procissão... Mas não era procissão, era uma coisa mais grave e séria... Estranho... E eu pronunciei Nicolau?
Todos anuíram concomitantes.
Dando continuidade aos trabalhos, Lucius apareceu naquele dia com uma pesquisa sobre Plutão. Todos ouviram curiosos sobre o exercício que Plutão move em ciclos do tempo. Em instantes a algaravia da discussão tomou fôlego. Desde a descoberta do planeta até hoje, houve e há simetria harmônica, de pelo menos Plutão, com grandes fatos ocorridos na Terra. Os professores procuravam corresponder com a tese do segredo do universo. Contudo no auge do debate um fato extrafísico, talvez empírico ou até mesmo espírita, manifestou-se na sala. Lisbela repentinamente começou a chorar e a tremer.
_Nicolau...! Nicolau...! (chorando em transe) Por favor, me perdoe! Nicolau, eu não tive escolha... Nicolau, é isso mesmo, você...
Calou-se e chorou durante uns cinco minutos diante de todos pasmos. Não houve jeito de conter a curiosidade, assim que a professora Lisbela recuperou-se todos inquiriam irreprimivelmente para desvendar o ocorrido. Somente o professor Edgar permaneceu sentado. Hirto, observando as pessoas e a atmosfera que se formava na sala do departamento. Tornou a ver ao longe, na portaria o velho todo de branco. Olhava-o plácido, sereno, sem esboçar nenhuma reação. Em seguida, o vento soprou forte e uma nuvem de poeira ergueu-se repentinamente do chão, dando ares de redemoinho, um pequeno turbilhão. O professor Edgar viu formar-se no ar, ali em sua frente, a mesma figura que o acompanha nos sonhos, sem nenhuma massa, e que havia sido desenhada pelo tal Nicolau. O Tempo e o vento. Referenciais da cinemática.
A professora Lisbela não soube explicar o ocorrido. Aliás, ninguém se atrevera a suscitar qualquer palavra sobre o sucedido, mesmo com o afã que tomou Lucius e o professor Rui de imediato, não houve qualquer comentário ou tentativa de explanação. Todos estavam admirados e extasiados diante do que presenciaram. Suspenderam as reuniões naquele dia. Lucius ainda ministraria aulas. Professor Rui Mauriti foi à biblioteca. Edgar e Lisbela tomaram o mesmo rumo na rua. Andaram a esmo conversando, a professora ainda muito constrangida e antes de se despedirem, Lisbela lembrou de uma estrofe de Mário Quintana que também se aplicava ao segredo do universo.
_...”Jamais, nada continuará, tudo recomeçará...”.
As cenas não saíram da cabeça de Edgar, ao chegar em casa debruçou-se sobre o misterioso livro. Havia desenhos e anotações. Não era um livro editado, parecia um diário pessoal, escrito ao que parece com muita avidez. Lembrou novamente da cena na sala do departamento. A professora Lisbela e os colegas, todos em volta querendo saber o que houve, ou o que era aquilo. Sentiu entrar num lapso de tempo e viu o universo se formando na cabeça de todos no momento do transe da professora Lisbela. Era como se estivesse flutuando. Era como se tivesse voltado ao tempo, na hora em que a professora pronunciava ”Nicolau, Nicolau!”. Súbita e inexplicavelmente sentiu sangue jorrando de dentro de si para fora. Sentiu o corpo desfalecer, formigar, tremular. No susto, pulou da cadeira e voltou para onde estava seu corpo. Lá yá tú ká. Fora aquela atmosfera que se formara na sala durante o transe de Lisbela. Ele conseguiu ver e não sabia, não tinha certeza do que vira. Examinava o livro minuciosamente. Pesquisava as anotações e os desenhos. No meio das sentenças e frases achou algo intrigante. A descoberta que fizera anteriormente a respeito do Messias, de Buda e Cristo. Sobre eles serem provavelmente as mesmas pessoas. Achou também algo a respeito do mito Adão e Eva. Estava escrito que Adão e Eva fora criação da igreja católica para amedrontar o homem. História fictícia para transformar ou burlar a consciência e tentar moralizar através da hesitação e do pavor iminente do tal fruto proibido. Aquilo estava escrito naquele diário. Alguém descobrira em outra época, em outro ciclo, o segredo do universo. Claro que não era privilégio de Edgar pensar a respeito das vidas passadas. Ele mesmo já lera sobre isso dos grandes filósofos e pensadores, contudo e ao que parecia, o professor fora mais além, entrara em campos que até então ninguém ousara. Olhava ávido e agora tenso também, todas aquelas informações vindas não se sabe de onde. É provável que o tal Nicolau, também pensara da mesma forma que ele. E de algum lugar do universo ele, o tal Nicolau, teve acesso aos pensamentos do professor Edgar. Dessa forma tentava comunicar-se e até incentivar. Vide os sonhos, as visões de Edgar e agora por último um livro de outro tempo de ciclo provavelmente remoto e passado, em matéria real e sólida, pura massa, que pousou na mesa de estudos, em sua casa. Sem falar no transe que tomou Lisbela. O professor sentia uma força cósmica e universal muito próxima a ele. Mas como cientista e principalmente por isso, até para que as pesquisas e observações continuassem, ele não podia dizimar as dúvidas. Com sofreguidão moderada, pôs-se a ler o tal livro e como de costume, cochilou e em seguida entrou em sono profundo. É provável que o objetivo do professor seria cair realmente em sono profundo. Assim, como já havia descoberto em sonho, transporia a barragem do tempo e investigaria seu ciclo anterior. E foi o que aconteceu. Deu-se então a descoberta.

domingo, 11 de maio de 2008

O DEGOLADO -sexta parte

Os professores da tese do segredo do universo não faziam a menor idéia que uma simples e corriqueira reunião de departamento de uma faculdade, onde foi apresentada uma concepção que ninguém tinha conhecimento imediato, fizesse uma repercussão em nível estadual, envolvendo políticos, religiosos de toda ordem e uma gama da sociedade. Para o professor Edgar, principal defensor das idéias cíclicas do universo, ele não contava e não tinha pretensões para o montante de discursos que se formou em torno de suas observações. Enquanto pensava sobre isso viu ao longe, dessa vez da sala do departamento, a figura do velho todo de branco. Não se assustou, nem esboçou nenhuma reação. Apenas prestou atenção e observou. Uma frase chegou dentro da sua cabeça:
_Não cometa o mesmo erro, procure se lembrar...
Uma angústia repentina tomou o professor Edgar por instantes. Lembrou-se do sonho e das palavras do dialeto, para ele, o portal para outros ciclos e talvez as palavras fossem um espécie de código. Deveria haver alguma ligação concreta daquelas visões com o que ocorrera em vidas passadas. Talvez seu encerramento tenha sido traumático. Que falha cometera de tão grave a ponto de visões mediúnicas aparecem para ele subitamente e pedir para não repetir o erro? E aquela nuvem de poeira cósmica em formato de homem? Se aquele velho todo de branco existia, estava por vezes se deixando ver, então aquela nuvem de poeira cósmica, possivelmente poeira cósmica, conseqüentemente também estaria por perto. A resposta para ele estaria, quem sabe, na regressão através do sonho. Para o professor Edgar, haveria provavelmente uma energia psíquica instalada em nosso cérebro onde guarda todas as informações possíveis da vida de cada um de nós e que nos acompanha através dos ciclos. Como uma caixa-preta de avião. Durante suas leituras sempre até as portas da madrugada, o professor sempre acabava cochilando e entrando em sono profundo, como das outras vezes. “Lá yá tú ká, lá yá tú ká...” “Ranti, ranti...” E sonhou novamente. Dessa vez viu um indivíduo muito parecido com o professor Ventim, estava metido em um hábito, como sempre, sisudo e severo. O tempo provavelmente também era medieval. Havia também um salão grande, com janelas em formato gótico. Possivelmente uma igreja ou catedral. E mais pessoas. Aliás, uma multidão dentro e fora do salão, ou da igreja. Cavaleiros armados. E o velho todo de branco acompanhando uma pessoa envolta em um manto e encapuzada. Era uma missa ou procissão, talvez reverenciando um deus ou santo. As imagens estavam mais claras, contudo os fatos ainda eram confusos. De repente o elemento ou indivíduo feito de poeira cósmica atravessou os ciclos numa rapidez anos-luz e então o professor viu-se na cadeira do escritório, prestes a tomar uma queda em conseqüência do cochilo sentado. Era o telefone. Incrédulo e assustado, ele teve que explicar a alguém do outro lado da linha que se dizia secretário da arquidiocese, todo o processo da tese do segredo do universo. Sem mais nem menos, o interlocutor o criticou e ordenou que parasse de tornar público as fraudes e as fábulas que os professores urdiam e imaginavam sobre a vida. Aquilo era, ainda o interlocutor, sem dúvida corrupção de valores e que ele não tinha idéia do mal que causaria a todos se essas leviandades continuassem a se estender nas ruas, salas e corredores públicos e privados da sociedade. O professor tentou argumentar que não foi ele quem causou tal estardalhaço e bulha que descontentasse as pessoas. Ele, ao contrário do que o interlocutor dissera, só levantou uma tese entre tantas a respeito da criação do universo. E ouviu alto e em bom som.
_O CRIADOR DO UNIVERSO É DEUS!!!
Ouviu também o clique do aparelho e a linha telefônica desocupada.
Em seguida, ao voltar-se da cadeira para colocar o aparelho na base, pôs os olhos em cima da mesa e percebeu uma gravura de um livro antigo e empoeirado onde se sobressaía o desenho de uma nuvem de poeira cósmica, parecida com a que o acompanhava nos sonhos, designada por quem pintou de TEMPO. Olhou o livro e não o reconheceu. Procurou na estante de sua biblioteca e mais uma vez não lembrava da existência daquele exemplar. Era um livro místico, misterioso e alegórico com muitos desenhos e figuras. Olhou novamente e reconheceu o TEMPO. Era ele quem andava serelepe, lépido e vasto mais que anos-luz através dos ciclos. Ele quem o levara a era medieval e provavelmente fora o TEMPO quem colocara aquele livro ali. Olhou novamente a pintura e estava assinada por Nicolau. Folheou e viu que havia desenhos de planetas em órbita. Havia também uma figura da Terra em movimento circular e, a mesma Terra, acompanhada por outros desenhos dela própria como se fossem em três dimensões, onde aparentavam ciclos circulares. O professor Edgar tinha quase certeza que conhecia aquele esboço e o risco. Que já o vira em um dos seus livros de pesquisa. Não fosse tarde, a aula que daria logo mais às sete e trinta da manhã na faculdade e o sono que chegava silenciosamente, ele procuraria aquele desenho.
SÉTIMA PARTE quarta-feira 14/05

quinta-feira, 8 de maio de 2008

O DEGOLADO -quinta parte

No dia seguinte conversou com os colegas o ocorrido, meio envergonhado, mas conseguiu narrar-lhes o fato. Mas um outro feito começava a preocupar os quatro professores da tese do segredo do universo. A professora Lisbela e o professor Lucius haviam recebido cartas anônimas e ameaças por telefone. A alta direção da faculdade queria destituir o professor Rui Mauriti do cargo de chefia e o criador da tese, professor Edgar, recebeu advertência por escrito. Além de escutar a noite ruídos ao redor da casa. Coisa que não deu importância, mas algo dentro da sua cabeça avisava-lhe constantemente do perigo que agora corria. Lembrou-se então do desconhecido do ônibus, com um esforço de memória esboçou o semblante do sujeito. E de repente viu-se sobressaltado, o homem que engatou uma breve conversa com ele no ônibus, era o mesmo que o acompanhava durante o sonho no passeio aos ciclos. E que por sua vez era também o velho todo de branco que estava na portaria. Rapidamente o professor encaminhou-se à entrada da faculdade, deu sorte o porteiro era o mesmo do dia que teve a visão da sala de aula. Perguntou-lhe se tinha visto um homem com tais características e descreveu o velho.
_Não, professor, lembro do dia, não havia ninguém aqui com essas características...
_Tem certeza?
_Claro, esse dia que o senhor falou e a hora, eu fico bem atento, pois é o momento em que minha filha passa de volta do colégio para casa e eu fico com muito cuidado observando todas as pessoas que se aproximam... Sabe como é, os dias de hoje todo mundo é suspeito...

Os professores reuniram-se com a alta direção da faculdade e explicaram a tese. O diretor e o vice ficaram um pouco ressabiados. Estavam tomando medidas de acordo com as queixas que chegavam do próprio departamento de estudos físicos, da assembléia legislativa e principalmente da arquidiocese. Não quiseram por razão de ética dar os nomes dos queixosos, mas para os cientistas pesquisadores não havia dúvida. Sabiam quem estava por trás de tudo. Descrentes e desconfiados, em primeira mão, orgulhosos e confiantes, em seguida, o diretor e o vice avalizaram a continuidade da pesquisa, mantiveram o professor Rui Mauriti em seu respectivo cargo. Suspenderam a advertência a Edgar e garantiram investigação sigilosa para as ameaças sofridas por Lisbela e Lucius.
_Não vejo razão para estardalhaço, pensei que fosse algo fora de propósito ou sem ética profissional... Parabéns ao professor Edgar, sua desconfiança é plausível, sobretudo no campo da Física... De qualquer forma devo entrar em contato com algumas pessoas do governo que pediram o inquirimento de tal pesquisa e explicar-lhes a real natureza do que está sendo feito, é inacreditável mas isso ainda acontece nos dias de hoje, ainda há um censor em cada esquina... Por favor, professores, perdoem a nossa desconfiança inoportuna, continuem os trabalhos... Além do mais a Física vive de dúvidas, hipóteses e levantamento de teses... Para lhes ser sincero não acredito que cheguem a provar algo a respeito disso, principalmente a não existência de Deus, aliás, é isso que está fazendo barulho e ecoando negativamente em alguns segmentos da sociedade, mas paciência... O homem, os estudiosos que desconfiam de todo o conteúdo já pré-concebido não podem se acomodar a dogmas, ou preconceitos ignorantes vindos do lado que for... Não se preocupem com os outros, aliás, não imaginava que pudesse haver docente que não fosse de acordo com a investigação científica qualquer que seja ela... Continuem sob o meu aval e proteção.
(SEXTA PARTE-domingo 11/05)

domingo, 4 de maio de 2008

O DEGOLADO-quarta parte

Dois dias depois do incidente na reunião de departamento, o professor Edgar refez-se como Fênix. Trancou-se em casa e não atendeu ninguém nesse período. Nem a professora Lisbela, nem o professor Rui Mauriti que também insistiu em procurá-lo. Apareceu então em sala de aula, deu o recado conforme manda a disciplina Teoria do Cosmos sem tocar no assunto do segredo do universo. Entretanto ao ministrar a aula, olhou pela janela. Viu de través um cidadão idoso de branco e preto parado na porta da faculdade e sentiu o mesmo cheiro de pipoca fresquinha que havia percebido no ônibus quando o estranho sumiu. Ficou com a imagem na cabeça, contudo um aluno o interpelou com dúvidas da aula e a cena caiu no esquecimento. Mesmo com a saraivada de estupidez e ignorância que havia levado, o segredo do universo não lhe saía da cabeça. Pensava sobre os ciclos toda a noite. Em especial os seus ciclos. Queria saber se havia uma forma de ver a sua vida de outrora, entrar em seu ciclo passado, e consertar algo que houvera feito de errado ou de inútil. Algum deslize, gafe cometida e especialmente o momento da morte, do término cíclico. Depois da descoberta, umas imagens da idade média sobrevoavam em sua mente. Quando cochilava ou até dormia, o que se tornou raro, via textos, sandálias, cascos de cavalos e chegou até a ouvir sinos e trombetas de um ambiente medieval. De uma forma ou de outra, Edgar sentia uma certeza invadindo-lhe pelas entranhas que descobriria o motivo e a ocasião do seu encerramento. Ao pensar nisso sempre vinha na mente o encontro que teve com o estranho no ônibus. Não conseguiu sequer ver o rosto do seu interlocutor direito. O indivíduo desapareceu enigmaticamente.
Nesse mesmo dia o professor Rui Mauriti e a professora Lisbela foram buscá-lo ao término da aula. Os três foram ao departamento de estudos físicos e até serem interrompidos inesperadamente, Edgar conversou e explicou com riqueza de detalhes para os dois professores a tese do segredo cósmico. Tanto Rui como Lisbela ficaram mais uma vez muito impressionados com a estranheza do mistério, propriedade original do universo, como também o encadeamento dos fatos proposto pelo professor Edgar. Um em cada etapa opinou, tanto o professor Rui e professora Lisbela, em seguida discutiam à porfia, numa obstinação de equipe escolar quando de súbito a porta abriu-se e adentraram a sala os professores Ventim e outros dois. Um era o espírita, o outro era um dos que ficaram calados na ocasião da reunião. O professor Ventim fez cara de poucos amigos, examinou de través e com hipocrisia os papeis em cima da mesa esparramados. Provavelmente certificou-se que era a tese do segredo do universo. Viu-se um riso no canto do lábio e um olhar mútuo com o professor espírita. O outro, o calado esboçou curiosidade, aliás, foi o único que cumprimentou as pessoas já presentes na sala. Notando com perspicácia o interesse do professor que se aproximava, o chefe do departamento Rui Mauriti de imediato, com a anuência do professor Edgar e da professora Lisbela, convidou-o, pois em instantes ao olhar os papeis demonstrava ávido interesse no assunto, a juntar-se a eles. Professor Lucius. Com mais um adepto curioso, a reunião transcorreu normalmente com muitas dúvidas e com aparente sucesso por vir.
Os quatro professores se dedicaram quase em tempo integral à tese do professor Edgar. Mesmo já aparecendo timidamente ainda boatos de que o professor Edgar seria o “Anticristo” em pessoa e que já estaria impingindo em outros a negação do Deus original. Soube-se por alto, não se sabe o grau de veracidade do fato, que o professor Ventim discursou em sua igreja sobre a tese do professor Edgar. Os alunos comentavam isso pelos corredores. Sabe-se também que Ventim estaria em sala de aula difamando e sabotando os esforços dos professores envolvidos com a tese do segredo do universo. Contudo o departamento de estudos físicos na figura do seu chefe, professor Rui Mauriti, criou bolsas para os alunos que tivessem boas notas poderem participar como estagiários das pesquisas sobre a tese. Evidentemente de acordo com o desejo de quem se dispusesse. Para a decepção de Ventim e dos outros professores que o acompanhavam, aqueles dois, o espírita e o outro católico, a demanda foi quatro vezes o esperado.
Um dia durante um rápido cochilo que acabou o levando para um sono profundo, algo prodigioso sucedeu, enquanto achava que sonhava com as palavras em iorubá “Lá yá tú ká, lá yá tú ká...” “Ranti, ranti, ranti...”. Parecia que havia alguém contando a história do mundo. O professor viu-se montado num unicórnio ladeado por uma nuvem de areia cósmica em formato de gente, além de duendes e um velho todo de branco. Eles voavam através dos ciclos. O professor viu Platão no exato momento que ele formulou a tese dos astros. Viu o império romano ruir. Passou entre as cruzadas. Esteve rente ao colega Galileu debruçado sobre a prancheta estudando o cosmo. E finalmente experimentou um pouco da dor de cabeça de Nietzsche que o fez acordar. Ainda tonto e com a cabeça dolorida, herança da enxaqueca de Nietzsche, Edgar pôs-se a pensar no que havia vivido. Concluiu então depois de alguns minutos pensativo que talvez o sonho seja o portal para outros ciclos. Dessa forma haveria dentro da mente uma memória que nos acompanha através dos tempos. Seria um inconsciente individual, como Freud designou. Ou um inconsciente coletivo como fora assinalado por Jung. Essas proposições tinham provavelmente um ponto comum. Isso aproximava muito da tese científica que todos nós somos formados a partir dos grãos de uma mesma estrela que por acaso explodiu no universo. Mais intrigante ainda era o fato de que naquela viagem onírica ele não estava sozinho. Aquele velho todo de branco, os duendes e aquela areia cósmica, o que e quem seriam?
QUINTA PARTE-quinta-feira(08/05)